domingo, dezembro 31, 2017

(DIM) Eden Valley tem afinal pouco de paradisíaco...

As séries televisivas passaram a colher a minha atenção a partir do momento em que muitos dos seus melhores realizadores, argumentistas e atores aterraram nelas como alternativa a não se dedicarem exclusivamente às obtusas superproduções destinadas aos consumidores de pipocas.
Os cinemas passaram a ser, sobretudo, frequentados por adolescentes com exagerada preguiça nas meninges, pelo que a maior parte dos filmes constam de super-heróis e comédias tolas para se entreterem, e afastaram de vez os progenitores acomodados às pantufas e aos benefícios das cada vez mais sofisticadas aparelhagens de home cinema.
Vem isto a propósito de ter deixado para a véspera do fim do ano a conclusão da terceira temporada de «Fargo», que começara a digerir ao ritmo de um episódio por dia, mas se tornou tão apelativa, que os seis últimos, foram vistos de seguida. Confirmando ter sido esta uma das melhores séries de 2017.
À partida Fargo é daquelas experiências, onde sempre temo voltar. Foi tão feliz a sua descoberta há vinte anos que, tão-só saídos do cinema, disse à cara metade que seria uma injustiça se, daí a quase um ano, a Frances McDormand não limpasse o Óscar para a melhor interpretação feminina. Meu dito, meu feito: meses depois lá subia ela ao palco a agradecer a consagração, que o desempenho do papel de Marge Gunderson lhe valeu.
Vi a primeira temporada da série e gostei, embora replicasse parte da história original e me parecesse uns furos abaixo do filme dos Coen. Veio a segunda temporada e gostei mais. Agora com a terceira, rendi-me: mas que grande argumento para corresponder a algumas excelentes interpretações.
Embora transitando do North Dakota para o Minnesota - mas com a neve a sempre imperar na paisagem! - misturam-se diversos confrontos, que se interligam e condicionam, complexificando a ação. Há dois irmãos que se odeiam (ambos interpretados por Ewan McGregor!); há uma administração empresarial a tentar, sem sucesso, livrar-se dos predadores, que decidiram roubá-la; há uma chefe de polícia demasiado esperta para aceitar a subordinação a um daqueles estúpidos xerifes decerto entusiásticos apoiantes de Donald Trump (embora a ação decorra em 2011) e sobram muitos outros personagens, que só por si, também mereceriam referência se nos ajeitássemos a dilatar a dimensão do texto.
Numa observação mais sucinta da intriga temos aqui representados três escalões da luta de classes: os miseráveis, que procuram encontrar meios de sobrevivência e se encalacram tão só começam a violar a lei. Os capitalistas tradicionais, que usam e abusam do seu estatuto, desprezando os que com eles não conseguem equiparar-se. Os predadores ligados aos paraísos fiscais e ao private equity para agirem como verdadeiros gengiskhans da finança internacional.
Se o primeiro crime resulta de um equívoco - o assassino contratado engana-se na identidade e no local onde vivia a vítima, optando por despachar outra vítima com o mesmo apelido escolhida ao acaso numa lista telefónica! - a partir daí as mortes violentas sucedem-se, denunciando a facilidade com que nos States se puxa do gatilho. Não faltam corpos a sangrarem abundantemente para o soalho ou a mancharem a imaculada brancura da neve.
Como de costume na marca Fargo os homens são uns fracos, quer de inteligência, quer de coragem, sendo as mulheres a ganharem-lhes a palma em todos os capítulos. Ainda assim Glória, a chefe de polícia de Eden Valley, contrapõe a sua sageza e argúcia, com a incontornável pecha para ser uma mãe galinha.
Chegamos enfim a um final camiliano: a maior parte dos personagens morre ou fica incapacitada, mas satisfaz-nos que o pior de entre todos os maus da fita seja enfim capturado. Mas será que ninguém cuidará de o vir livrar da tenaz perseguição de Gloria? 

Sem comentários: