domingo, abril 05, 2020

(NM) O distante passado em que o new age também me embalava


Na primeira vez que foi ao Egipto Mark Lehner era ainda muito jovem e sentia-se imbuído do espírito new age. De acordo com as elucubrações dessa moda ansiava encontrar nos hieróglifos a localização da Atlântida. É claro que o contacto direto com o terreno permitiu que se libertasse de fantasias dedicando-se à bem mais interessante identificação dos mistérios das pirâmides. Assim se tornou num dos mais conceituados egiptólogos do nosso tempo. Mas a evocação desse passado também a ele me levou: por essa mesma época também eu me deixava contaminar por algumas dessas mirabolantes ideias transcendentais. Estávamos no início dos anos 70 e, adolescente que era, consumia sem espírito crítico algumas coisas ambíguas da autoria de um conjunto de autores editados pela Europa-América numa coleção de livros de capa preta. Eram eles Robert Charroux, Jacques Bergier e outros cujo nome esqueci, que despejavam enxurradas de disparates sobre o tal continente perdido, as estátuas da Ilha de Páscoa, Tiahuanaco e outros locais arqueológicos cuja construção era imputada a extraterrestres ou a civilizações perdidas, mas tecnologicamente avançadas.
Meses atrás, das prateleiras recuadas da cave, onde armazeno grande parte da minha biblioteca trouxe um desses livros - A História Desconhecida dos Homens do citado Charroux. Buscava nele encontrar algo do que fora cinquenta anos atrás. Manda a verdade que, mesmo armado da melhor determinação não consegui ir além das vinte ou trinta primeiras páginas. Tudo aquilo se revelou tão indigesto, que desisti sem remorso, apesar da minha habitual determinação em ler de fio a pavio o que depresso descubro não gostar (como conseguir ler Lobo Antunes sem essa complacente predisposição?).
Deu para concluir que a distância entre o rapaz sexagenário que sou e o que tinha treze ou catorze anos é intransponível. E se, na época fui razoavelmente feliz, essa experiência recente confirma a regra de não nos devermos arriscar aonde vivêramos essa efémera e irrepetível sensação.

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