domingo, abril 26, 2020

(DIM) O terceiro filme de Orson Welles


Os cinéfilos mais ou menos bem informados não têm dúvidas em indicar os dois primeiros filmes realizados por Orson Welles: O Mundo a seus pés (1941) e O Quarto Mandamento (1942). Mas dificilmente há quem saiba o título do seu terceiro filme, que é este The Stranger, estreado em 1946 e que julgou servir para desmentir aos produtores de Hollywood a má fama ganha com os outros dois: que levava muito mais tempo do que o previsto para os conduzir de fio a pavio e que o orçamento ficava, por isso mesmo, muito superado.
No final da guerra, quando John Huston ficou impossibilitado de realizar este filme, Welles conseguiu convencer Sam Spiegel em como o concretizaria dentro das regras por ele prescritas com o prémio suplementar de, acaso tal sucedesse, incumbir-se de cinco filmes da sua exclusiva lavra sem quais quer constrangimentos da produção. O resultado foi concludente: rodado e editado no prazo e orçamento previstos e conseguindo razoável sucesso de bilheteira. E, no entanto, a promessa de lhe abrirem os cordões à bolsa para filmar o que quisesse nunca se cumpriria. Pior ainda: Spiegel incumbiu um montador da sua confiança de garantir um trabalho de acordo com o gosto convencional sem dar a Welles a oportunidade de ter qualquer interferência no final cut. Daí que ele renegasse o filme como seu embora se lhe nota a assinatura em cada plano, quer quando alterna plongés e contraplongés, quer quando opta por perspetivas de grande profundidade.
A escolha de Edward G. Robinson também lhe fora imposta, porque Welles teria preferido que a personagem de Wilson fosse interpretada por Agnes Moorehead, que os mais seniores e sábios recordarão como a mãe não só do Cidadão Kane, mas também da feiticeira Samantha na série que passou anos a fio nos primórdios da RTP. Como passava então uma série estrelada por Loretta Young, que faz neste filme o papel da noiva, e depois, esposa, de um criminoso nazi, que Wilson procura desmascarar.
Temos assim uma pequena e tranquila vila do Connecticut onde Charles Rankin é um popular professor secundário e iminente genro de um juiz do Supremo Tribunal dos Estados Unidos.  Mas a sua verdadeira identidade é Franz Kindler, um dos mais jovens criadores do Holocausto e escapado da Alemanha antes da derrota final., com o prévio cuidado de ter apagado todas as pistas que pudessem identifica-lo. Apenas se sabe da sua obsessão pelos relógios e de ter tido por lugar-tenente um criminoso chamado Meinike que, em vez de enforcado, como os que se viram julgados em Nuremberga, foi libertado para conduzir os perseguidores até ao seu alvo.
A intriga é consistente e Welles, que faz o papel de vilão, passa rapidamente de uma expressão afável com quem o cumprimenta nas ruas de Harper para a do torcionário capaz de tudo fazer a fim de não se ver desmascarado.
Procurando convencer a ingénua srª Rankin da verdadeira identidade do marido, Wilson emprega, igualmente, todos os trunfos e eles incluem confrontá-la com as imagens reais dos milhares de corpos amontoados nos campos de extermínio nazis. E essas cenas ficaram para a História do Cinema como as primeiras a serem incluídas num filme de Hollywood, que doravante não enjeitaria utilizá-las frequentemente.
E arriscando o spoiler, acrescente-se que o filme conclui-se no relógio do campanário da igreja de Harper...

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