quinta-feira, abril 23, 2020

(DIM) Godard: Os fulgurantes anos 60


Nunca me canso de ver filmes de Jean Luc Godard por muito que conheça de cor muitas das suas cenas. Porque há sempre algo de inesperado a descobrir, um pequeno detalhe, uma outra forma de decifrar o que ele terá pretendido. 
Quase nonagenário - assim será a partir de  3 de dezembro! - tem uma biografia com tantas facetas, que nelas cabem o dandy sobredotado, o sabotador dos cânones da «qualidade francesa», o eremita, o militante diluído no coletivo Dziga Vertov, o videasta solitário, o autor de aforismos misteriosos e o historiador do cinema em imagens.
A primeira longa-metragem, O Acossado, de 1960, surgiu como filme-manifesto de uma geração apostada em inventar uma nova linguagem cinematográfica. A esse respeito, Alain Bergala, o autor de Godard au travail, les années 60, defende que “a sua grande revolução é o corpo do ator e a liberdade que lhe dá. A revolução não é só estética, mas também sociológica.”
A partir desse filme Godard entrou numa incrível vertigem criativa até ao maio de 68, rodando quinze filmes em oito anos, alguns deles particularmente memoráveis: O Pequeno Soldado desse mesmo ano de 1960, mas logo proibido por abordar a guerra da Argélia (e por isso só visto entre nós já depois do 25 de abril!), Uma Mulher é uma Mulher (1961) comedia romântica musical com Belmondo, Brialy e Karina,  Viver a sua Vida (1962) sobre a prostituição, O Desprezo (1963), que faz parte do meu top 10 de toda a História do Cinema, Bande à part (1964) com a corrida do trio de protagonistas no corredor do Louvre, Alphaville (1965) a demonstrar que um automóvel pode substituir um foguetão num filme de ficção científica, Pierrot le fou (1965), que antecipa em dois anos o Bonnie & Clyde ou Weekend (1967) a assinar a certidão de óbito à sociedade de consumo.
Por esses filmes passam os dialéticos confrontos entre o masculino e o feminino, a fidelidade e a traição, a arte e o dinheiro ou a sombra e a luz.  Antoine de Baecque, seu biógrafo, assinala que “é a invenção permanente, sem constrangimentos, que Godard potencia a partir do seu encontro com o diretor de fotografia Raoul Coutard. Ambos criam um estilo que definirá todos esses filmes e lançam uma revolução formal, improvisando incessantemente sem qualquer premeditação”.
A meio da década de 60, quando ainda eram amigos, Truffaut asseverava que “Godard pulveriza o sistema, lança uma tal confusão no cinema, que lembra quanto Picasso fez na pintura: a partir deles tudo passou a ser possível”.
Fica assim explicada a razão porque me assumo como godardiano, procurando partilhar esta condição com todos os amigos cinéfilos, que aceitam ser confidentes dos meus entusiasmos.

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