sábado, abril 25, 2020

(DIM)À procura do Equador


No século XVIII  cresceu o interesse científico de alguns dos burgueses e aristocratas mais esclarecidos na França das Luzes. A Enciclopédia de Diderot e D’Alembert viria a ser de leitura obrigatória para quem pretendia destacar-se nos salões galantes, tornando-se particularmente bem vistos os sedutores capazes de espantarem as suas conquistas com a aparente consistência do seu saber. Tudo se conjugava para que o mérito maior fosse dos que se aproximassem do modelo do homo universalis.
Uma das polémicas da época tinha a ver com a forma da Terra, que já quase ninguém apostava ser plana ao contrário duns estarolas atuais, que teimam em defender o que, há séculos, se tornou absurdo. Os debates das cortes setecentistas incendiaram-se entre os que sugeriam o achatamento do planeta nos polos e os que propunham a hipótese dele ali se alongar. Tratou-se de uma ótima razão para a Real Academia investir recursos substanciais numa expedição comandada por Louis  Godin, Pierre Bouguer e Charles-Marie de la Condamine. Durante oito anos os mais persistentes dos aventureiros fizeram incessantes medições no território hoje identificado como Equador, sem temerem a atividade dos seus inúmeros vulcões. Deve-se-lhes, nomeadamente, um extraordinário trabalho de cartografia da região. No regresso a Paris os cálculos não deixavam margem para dúvidas: efetivamente redondo, o planeta via-se caracterizado pelo seu achatamento nos polos.
Essa viagem, por ser a mais antiga de quantas Hannah Leonie Prinzler abordou no seu documentário À Procura do Equador (2019), é o seu ponto de partida para percorrer os 40 mil quilómetros da linha imaginária a partir da qual se definem todas as latitudes. Humboldt, que andou a percorrer a América do Sul nos primeiros anos do século XIX, trouxe prova de centenas de espécies animais e vegetais, que os europeus desconheciam, ganhando fama de, depois de Colombo, ter sido ele o segundo descobridor do continente. Nos seus entusiasmantes relatos demonstrava serem as regiões equatoriais aquelas em que, graças à estabilidade do clima e à prodigalidade da Natureza, maior diversidade animal e botânica se afirmava.
Darwin seguiu-lhe as pisadas, quando embarcou no «Beagle» e prosseguiu o labor de catalogar mais um sem fim de espécies, embora o cume da sua viagem tenha acontecido nas Galápagos, quando identificou pequenas alterações morfológicas numa pequena ave segundo as ilhas em que estava há muito implantada. Nessa capacidade de adaptação das espécies segundo as circunstâncias em que se alimentava, via confirmada a tese desenvolvida ao longo dessa mítica viagem: a da Origem das Espécies..
Dessas ilhas a mil quilómetros da costa do Pacífico o filme parte para outras no mesmo oceano - as Kiribati - em sérios riscos de desaparecerem em função da subida de nível das águas que as banham. O inglório labor de uma esforçada habitante para construir um muro capaz de suster as marés oceânicas  faz-nos recordar o da mãe de Marguerite Duras quando tentou de igual modo proteger a propriedade da Cochinchina onde julgara possível fazer riqueza. O mesmo risco de desaparecimento sob as águas do Indico se identifica nas Maldivas, onde as alterações climáticas estão a matar os seus corais. Aqui lembro obrigatoriamente os trinta e muitos dias ali passados em meados da década de 90, quando o navio em que então navegava (o «Fernando Pessoa») ficou apresado pelas autoridades, que reclamavam indemnização por outro navio da mesma pool - da francesa Delmas - ter encalhado e destruído uns quantos corais semanas antes.
No interior africano passa-se pelas reservas do Quénia e as dificuldades de coexistência entre os protegidos elefantes e as populações, que vivem à beira dos parques e veem as plantações devastadas pelas mastodônticas criaturas. A solução surpreendente é o desenvolvimento da apicultura nessas aldeias, porque a pele dos elefantes tem escassa proteção contra as ferroadas dos insetos, razão porque basta ouvi-los para que a mais gigantesca matriarca arraste toda a esfomeada prole para dentro dos limites da reserva.
Sempre vendo desfilar imagens com a beleza só propiciada pela Natureza, passa-se pelas expedições de Stanley, incluindo a que, ao serviço do rei dos belgas, assegurou a Leopoldo II a ansiada província africana, onde se perpetrariam as mais odiosas práticas do colonialismo europeu.
Em São Tomé assiste-se à forma como o chocolate se tornou numa das suas mais bem sucedidas exportações, ainda que tendo italianos a explorá-lo. E no Brasil assiste-se a uma experiência científica com uma torre meteorológica de mais de trezentos metros de altura a esclarecer todo o processo de formação das nuvens e o ciclo ascendente do vapor de água e subsequente precipitação.
A viagem de circum-navegação deste documentário, que acompanha o próprio movimento do sol, proporciona hora e meia de reiterado fascínio por este planeta tão ameaçado pela insensatez e voracidade capitalista.

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