quarta-feira, abril 01, 2020

(DIM) «Genesis 2.0», um filme de Christian Frei e Maxim Abugaev


No Festival de Sundance de 2018 a estreia deste documentário suscitou bastante interesse nos espectadores, apesar de se tratar de um filme algo desequilibrado entre a parte filmada na Nova Sibéria pelo realizador russo e a que se dividiu por outras geografias (Boston, Coreia do Sul) e rodada pelo coautor suíço.
No início ouvimos uma espécie de oração xamânica, que corresponde aos valores de homens em breve a agirem de forma completamente contraditória com a sua orientação: deveriam respeitar a Natureza e todas as suas manifestações de acordo com a crença de ser ela uma entidade viva e de incompreensíveis poderes. Mas a pobreza, a necessidade de pagar dividas ou a ambição de súbito enriquecimento levam anualmente dezenas de homens siberianos a deixarem as aldeias onde vivem para rumarem a norte e aí procurarem presas de mamute destapadas pelo descongelamento do permafrost. Em equipas de dois percorrem a desolada paisagem cinzenta, suportam ventos glaciais, acolhem-se em grutas onde existem pinturas rupestres com milhares de anos, e de vez em quando têm sorte. Vendidas para a China, essas presas valem-lhes milhares de dólares, que justificam o esforço. Mas o pior sucede para quantos regressam a casa de mãos a abanar. E até encontrando-as vazias, como sucede com um deles, porque a companheira fartou-se da miséria e partiu entretanto, apostada em encontrar melhor vida.
Paralelamente a essa safra sazonal as câmaras levam-nos a uma feira em Boston onde, desde 2004, se expõem as mais recentes descobertas da indústria biológica, nomeadamente aquelas que se propõem alterar os códigos genéticos para, no dizer de um professor de Harvard, criar um «mundo melhor». Será? Muitas dúvidas, mormente éticas, justificam o ceticismo perante o entusiasmo desse George Church, decidido a clonar um mamute lanhoso a partir de células ainda vivas, que consiga obter de um dos exemplares, trazidos à superfície pelo mesmo fenómeno no permafrost. E nesse anseio pode contar com o entusiasmo de um vigarista sul-coreano, anos atrás desacreditado por ter falseado os resultados das suas experiências, mas hoje a ganhar fortunas com a clonagem de animais domésticos para endinheirados norte-americanos capazes de abrirem os cordões à bolsa para recuperarem, pelo menos em aparência, os defuntos animais a que tanto se tinham afeiçoado.
Com uma banda sonora excelente - à base de composições de Max Richter e Edward Artemyev - o documentário vale-se da beleza das paisagens árticas e de algumas questões pertinentes quanto à justeza de muitos trilhos por onde a Ciência se anda a aventurar... 

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