terça-feira, abril 21, 2020

(G) O tempo reencontrado de David Hockney


Ao princípio havia um miúdo de Bradford, no Yorkshire, nascido numa família operária integrada no ambiente ali criado pela Revolução Industrial. O talento para o desenho notara-se-lhe desde muito cedo, mas a vocação ficou decidida, quando viu uma reprodução da Anunciação de Fra Angelico. A influência da arte renascentista ficaria explicitada em muitas das suas obras como pintor, bastando comprová-lo o quadro de 1970 em que retratou um casal amigo, Mr. and Mrs. Clark, cuja pose remete para esse período artístico, que definira o seu percurso.
De facto em 1959 vai para Londres estudar no Royal College of Arts e mergulhar em pleno na cultura pop, então a explodir. Mas, mais do que envolver-se na pop art, limita-se a surfá-la, porque outra influência irá atrai-lo: a desmesura de Nova Iorque, que visita pela primeira vez em 1962 e onde conhece Andy Warhol e a sua Factory, mas sobretudo, Henry Geldzahler, curador do Metropolitan Museum, que muito contribuirá para o dar a conhecer nos EUA.
As viagens pelo país em que se radica, permitem-lhe longos percursos de carro, estrada fora, que lhe estimulam a abordagem da relação do espaço e do tempo, com este a influenciar decisivamente aquele.
Em 1967 já está a viver em Los Angeles, quando opta pelo seu primeiro ciclo, o das piscinas, que tem The Big Splash como um dos mais glosados.
No ciclo seguinte representa Retratos Duplos com amigos e colecionadores a verem-se representados de forma a revelarem algo do que significam para o pintor. Naquele em que Peter Schlesinger vê-o mergulhado nas águas de uma piscina, está evidenciado o corte afetivo entre os dois, servindo o espelho líquido de linha divisória e intransponível entre ambos.
As viagens de carro continuam a motivar-lhe obras marcadas pela importância da luz e que ganham dimensões significativas em Mullholland Drive: The Road to the Studio (1980) onde reproduz os trajetos quotidianos entre a casa na praia de Malibu e o estúdio na outra residência localizada na célebre colina sobre a grande cidade. Indo mais longe, deixa-se fascinar pelo esplendor das zonas selvagens mais próximas delas decorrendo a inspiração para A Bigger Grand Canyon (1989).
Em anos mais recentes, para apoiar os derradeiros anos de vida da mãe, voltou ao Yorkshire e desse regresso ficam os quadros dedicados às mudanças evidenciadas nas paisagens pelas quatro estações e vinte cinco belíssimos desenhos a carvão, que são de uma minúcia hiper-realista admirável.

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