segunda-feira, abril 20, 2020

(DL) Os sanatórios como refúgio de escritores


Foi uma moda antes da face do mundo alterar-se com o horror vivido nas trincheiras da Primeira Guerra: escritores a refugiarem-se nos sanatórios do norte da Itália para curarem agravos sofridos e procurarem formas múltiplas de reconstrução. Thomas Mann foi um deles, optando por um estabelecimento nas margens do Lago de Garda. Terá sido ali, e não em Davos como aventaram alguns apressados biógrafos, que terá imaginado a história de A Montanha Mágica, espécie de metáfora sobre uma Europa em vias de desaparecer.
Desconhecia-o quando por ali passeámos numa manhã memorável em que não arriscámos molhar os pés na água sulfurosa. Mas, não acreditando em fantasmas, não seria provável, que procurássemos encontrar vestígio de quem por ali passara décadas atrás para buscar sossego depois das críticas negativas recebidas pelos seus Buddenbrook.
Hermann Hesse também lhe seguiu o exemplo, mas optou pelas margens do Lago Maggiore. Acabara de casar com Maria Bernoulli que, mais velha nove anos, tinha já vivido o bastante para introduzir o inexperiente conjugue naquelas que tinham sido as suas mais gratas descobertas: o nudismo, o mergulho pleno na Natureza, o virar costas à sociedade decadente conspurcada por uma industrialização, que acelerava ritmos de vida, mas a privava dos seus valores essenciais: o amor, o prazer.
Por esses anos a vertigem com os novos meios de transporte era tal que se discutia a  possibilidade de proibir às mulheres as deslocações em automóvel ou em comboio a vapor, porque acima dos 30 kms/h os seus aparelhos reprodutores poderiam ficar irreversivelmente danificados.
O casal Hesse não tinha interesse pelo convívio cosmopolita proporcionado por esses sanatórios nas faldas dos Alpes, mas outros refugiados aproveitavam em pleno as orquestras existentes nessas vilas e até os casinos de algumas delas.
Para atrairem mais e melhores clientes essas instituições louvavam os seus méritos nas curas das neurastenias, que mais não eram do que as angústias padecidas por quem olhava à volta e não sabia como assimilar, ou sequer sobreviver, às imprevisíveis mudanças.
Quando os canhões começaram a troar à distância enchendo as trincheiras de vagas sucessivas de alistados, depressa mortos ou estropiados, os que se prosseguiram num confinamento a que já se tinham habituado, viram incrementadas as apreensões face a um mundo decerto muito diferente, quando para ele voltassem.

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