quinta-feira, abril 16, 2020

(NM) Estranhar, mas sem entranhar


Quanto à arte contemporânea portuguesa tenho seguido a regra pessoana de estranhar, sem por ela me deixar ... entranhar. Interesso-me pelas obras de muitos dos seus nomes maiores - embora por todas as razões e mais algumas vá ganhando fundamentada antipatia por Joana Vasconcelos! - mas raramente consigo sentir alguma empatia. Sobretudo quando ela prima por esquemas conceptuais de cujos códigos me sinto completamente alheado por continuarem apenas na posse dos seus criadores.
Relativamente a Pedro Cabrita Reis isso não impede de me indignar com os energúmenos de Matosinhos cuja indesculpável ignorância justificou um ato de vandalismo merecedor de pesado castigo judicial. Mas se algumas das suas obras me fizeram sorrir - a inesquecível peça sobre o sacrifício investido pelos pais para o educarem - quase todas elas me deixaram indiferente. E, no entanto, ouvindo o artista, ele consegue dar explicações coerentes e consistentes quanto ao significado dos projetos por si concebidos. E com isso propicia-nos alguma aproximação ao que produz.
Vem esta reflexão a propósito de ter visto esta tarde o documentário realizado por Joaquim Sapinho em 1993 sobre o percurso artístico de Julião Sarmento, onde o mesmo Cabrita Reis esforça-se - sem grande sucesso! -, em explicar o que fundamenta a obra daquele que é um dos nossos artistas com maior reconhecimento desde que a Documenta de Kassel o deu a conhecer internacionalmente em 1982 e o consagrou cinco anos depois.
Podemos refletir sobre o que Sarmento diz a respeito do que faz: mais do que reproduzir o momento em que alguém passa num determinado espaço, interessa-o o seguinte, aquele em que já ali não está, mas se adivinha a sua recente presença. Mas, abarcando as obras videográficas dos anos 70, quando assumiu com Calhau o corte em relação à tradição de tomar a arte produzida em Paris como referência - porque lhes parecia mais interessante a oriunda do mundo anglo-saxónico! -, até ao regresso à pintura na década de 80, quando optou pela utilização simultânea de colagens e múltiplos materiais destinados a sugerir estímulos fragmentários, Sarmento continua a parecer-me o artista umbiguista apostado em criar obras apenas para si mesmo, independentemente do que elas lhe rendam ao serem vendidas para alguns dos principais museus do mundo dedicados à arte dos nossos dias...


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