domingo, abril 19, 2020

(DL) «Vida Esquecida» de Brian Aldiss


O nome de Brian Aldiss foi evocado, quando Spielberg adaptou ao cinema um seu conto, sobre o qual Stanley Kubrick já trabalhara, mas não tivera tempo de concretizar por morrer antes:  AI - Inteligência Artificial. Agora confesso não ter tido particular deleite ao ler-lhe este romance não vinculado ao género - o da ficção científica - em que foi particularmente consagrado. Apesar de nele existirem alguns aspetos interessantes, no conjunto senti-o irregular na estrutura e seu desenvolvimento.
À partida sabemos que Joseph Winter morreu alguns meses atrás e que o irmão mais novo, psicólogo em Oxford, está decidido a escrever-lhe a biografia utilizando para tal os muitos diários e apontamentos por ele deixados no apartamento em que vivia. Temos assim uma abordagem do trabalho de Clement Winter com a progressiva descoberta de momentos-chave da vida do irmão, quando fizera a Segunda Guerra na Birmânia e assegurara a estabilidade subsequente na ilha de Sumatra.  Razão para alternarmos entre o que Clement vai escrevendo na qualidade de narrador e os textos de Joseph, que enfatiza, sobretudo, os seus amores assolapados por uma chinesa casada com quem imaginara poder juntar os trapinhos, mas entretanto desaparecida na voracidade dos acontecimentos relacionados com a independência indonésia.
Um bocado a despropósito vamos seguindo os percalços conjugais de Clement, cuja cara-metade, uma bem-sucedida escritora de ficção científica, é por ele encontrada em flagrante adultério com o enfezado editor norte-americano. A única explicação para essa narrativa paralela só pode ser a de Aldiss ter pretendido dar da realidade três perspetivas diferentes: a de Clement, mais racionalizada, a de Joseph, mais colada aos acontecimentos, ou não fosse ele um historiador, e a de Sheila, mais fantasiosa. Nesta última vertente vemo-la sair de casa para entregar-se definitivamente ao amante e o romance acaba com Clement a ouvir a fechadura da porta principal a abrir-se por ela estar de regresso ao remanso conjugal.
O título remete para todos os personagens, por todos eles terem algo esquecido no passado distante em que se sentiram desamados, de nada servindo o que terão vivido enquanto adultos para garantir a catarse das recalcadas frustrações. E essa é porventura a conclusão transmitida por Aldiss: por muito que o desejássemos há feridas antigas, que nunca cicatrizarão.

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