sexta-feira, abril 10, 2020

(DIM) «Shoplifters» de Hirokasu Kore-eda (2018)


Shoplifters - uma família de pequenos ladrões é um dos seis filmes de Kore-eda estreados em Portugal, que regularmente nos revisita numa das plataformas de conteúdos audiovisuais disponíveis. Por isso vale a pena alertar quem nunca o viu para quanto pode beneficiar com a sua descoberta, dado o merecimento da Palma de Ouro em Cannes, que o premiou há dois anos..
Na cena inicial, como que regressamos ao The Kid de Chaplin, quando um pai industria o filho na arte dos expedientes de sobrevivência, aqui traduzidos nos tais pequenos furtos aludidos no título português. Daí por diante Kore-eda cria uma intriga em que desconstrói os códigos familiares, unificando para desunir, construindo para demolir. Existe uma aproximação a Tal Pai, tal Filho (2013), quando a aprendizagem do amor por um filho só alcança o zénite, quando se está em vias de o perder. Embora aborde outros universos, Kore-eda parece particularmente eficiente quando toma como fulcro o espaço familiar, o imaginário infantil e as relações entre as crianças e os adultos. Porque demonstra a não conformidade da visão tradicional da família como sempre relacionada com os laços de sangue entre os que a integram. Aqui defende-se a sua consagração por outros estímulos, que são sobretudo os da entreajuda e os das cumplicidades. Mormente quando se partilham refeições, voltando-se aqui a demonstrar a importância da alimentação na sociabilização dos japoneses.
Kore-eda consegue outro feito, que merece encómio: equilibra o destaque aos seis personagens principais, permitindo-nos conhecê-los nas ambiguidades, mas também nos equívocos, que suscitam nos que lhe são próximos.
A anciã Hatsue - interpretada pela veterana atriz Kirin Kiki, que morreria pouco depois das filmagens - revela uma enorme sabedoria embora a todos aloje pelo manifesto interesse de não estar sozinha quando exalasse o último suspiro. Osamu poderia ter vida diferente se o não travasse a preguiça. Nobuyo não parece talhada para as preocupações maternais, mas revelam-se-lhe incontornáveis à medida que a mais nova aquisição da tribo, a miúda indesejada e agredida pelos pais, a enternece. Shôta acredita na legitimidade dos pequenos delitos, mas será o causador do estilhaçamento dos precários equilíbrios existentes. E Aki procura afetos no mundo do soft-porno onde ganha magro sustento.
Legando-nos algumas cenas memoráveis, particularmente a da ida à praia como momento alto da empatia entre os seis, o filme conclui-se na lógica do género policial em que dois polícias tentam compreender uma realidade, que manifestamente lhes escapa ao entendimento. Porque dificilmente entenderão que, quer na instituição onde é colocado ou no regresso á família em que continua a ser um empecilho, nem Shota, nem Juri alcançarão as compensações afetivas, que junto de Osamu ou Nobuyo obtinham.


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