terça-feira, março 12, 2019

(DL) Voltar às terras e aos espaços em que os lobos uivavam


O que muito me agrada na obra de Aquilino Ribeiro é nela ter coexistido a escrita admirável, rica num léxico que mais ninguém igualou (salvo Saramago), com uma militância cívica de quem nunca se conformou com as injustiças e as desigualdades.
Quando entrei na década dos sessentas congeminei a possibilidade de muito fazer de quanto até então deixara adiado. Sendo altura de revelar maior exigência no usufruto do tempo disponível, esperava nele encontrar a oportunidade para dar satisfação a um rol imenso de tarefas por cumprir. Uma delas seria o regresso á obra completa de Aquilino Ribeiro, revisitando-a de fio a pavio.
A minha admiração pelo autor de «Quando os Lobos Uivam» é tão antiga quanto o momento em que lhe descobri a corajosa biografia de quem não temeu arregaçar as mangas para derrubar primeiro a Monarquia conspirando com os amigos carbonários, e depois lutando contra a ditadura imposta em 28 de maio de 1926, logo se comprometendo com os golpes de 1927 e 1928, destinados a repor a legalidade republicana. A prisão, ainda na Monarquia e depois já após o fracasso da Revolta de Pinhel, revelou-lhe os dotes de escapar aos carcereiros e pôr-se a léguas, optando pelo exílio em Paris na primeira ocasião, e na Alemanha na segunda. Regressado ao país durante a Segunda Guerra Mundial, logo se tornou num Mestre de gerações sucessivas de jornalistas e escritores, que nele encontraram um guia sobre os valores éticos exigidos pelas circunstâncias.
Os romances iam-se sucedendo denunciando o extremar da luta de classes no país e desmontando o discurso patrioteiro de um regime, que sempre execrou e o vigiava com justificado medo. Porque até mesmo quando parecia dedicar-se a temas menos sensíveis para o salazarismo logo vinha, de arremesso, o desmistificar dos mitos em que assentava a cultura dominante. Razão porque um dos livros, que prazer maior me deu, foi o dos «Príncipes de Portugal», facultando-nos uma história alternativa, àquela que nos queria convencer de só terem existido santos e heróis no nosso passado enquanto povo, quando a realidade foi feita de assassinos, fanáticos religiosos, débeis mentais, paranoicos e tontos megalómanos, que nos conduziram a desastres efetivos, ou apenas evitados pelos acasos, mas todos eles custando elevadas perdas de vidas e sofrimentos indizíveis aos que se situavam na condição social mais desfavorecida.
Numa altura em que me passou de raspão um programa televisivo da segunda metade dos anos setenta em que Óscar Lopes e a família dos escritor davam saborosos testemunhos do que com ele haviam vivido, recuperei essa intenção de voltar a prosas que, em tempos, me deram grata satisfação.

Sem comentários: