segunda-feira, março 18, 2019

(DIM) Regresso ao Expresso do Oriente


Se faz sentido a judiciosa expressão de ser insensato o regresso a um lugar onde se tenha sido feliz, o filme «Um Crime no Oriente Expresso» demonstra-o. Fora tão memorável a versão de Sidney Lumet em 1974, que era desnecessária a que Kenneth Branagh assinou em 2017.
Em 4 de outubro de 1883 a fina flor parisiense deslocou-se à estação de Estrasburgo (hoje Gare de l’Est!) para assistir à partida do Oriente Expresso na viagem inaugural a ligar a capital parisiense a Constantinopla. Georges Negelmackers, o criador do negócio, fundara a Companhia Internacional dos Wagons-lits e imaginava vencer os nacionalismos, unindo povos de credos e etnias diferentes dissipando as contingências fronteiriças. O luxo anunciado traduzia-se na ideia de um verdadeiro palácio a deslocar-se pelos carris e parando nalgumas das principais cidades europeias. Daí que tivesse por passageiros diplomatas, políticos, aristocratas, artistas, empresários, espiões ou mulheres fatais. E seria em torno dessa caracterização sociológica, que Agatha Christie muito viria a contribuir para a lenda do célebre comboio com a publicação do romance nele inteiramente passado. Mesmo nunca tendo sido conhecido qualquer crime nas suas muitas viagens.
Comercialmente o negócio sempre foi de rentabilidade reduzida, fazendo falir não só o inventor do conceito, mas também outros que, posteriormente, foram querendo dar-lhe continuidade. Em 1977 o Oriente Expresso deixava de operar vencido pelas viagens aéreas, que foram encurtando temporalmente as distâncias entre as duas capitais. Fica, porém, a nostalgia de uma conceção datada do glamour próprio de uma época em que eram poucos os capacitados para usufruírem tais mordomias, porque a grande maioria dos europeus ia sobrevivendo dificilmente e à custa de enormes sacrifícios. Um «pormenor», que é totalmente omitido por Louis Pascal Couvelaire, autor de um documentário de 2018 - «Oriente-Expresso, a viagem de uma lenda» - que procura abordar historicamente as circunstâncias em que surgiu, prosperou e se extinguiu uma ideia anunciadora do ideal europeu, que viria a consagrar-se décadas depois na proposta de Jean Monnet.
A indústria do cinema não descura, igualmente, a possibilidade de ir multiplicando receitas de bilheteira à conta da lenda potenciada pela imaginação da criadora de Hercule Poirot. No mesmo dia aliei duas longas-metragens, a do citado documentário, com o remake de Kenneth Branagh do filme tão competentemente realizado por Sidney Lumet em 1974. Se o elenco pede meças ao de então - temos agora Johnny Depp, Judi Dench, Penelope Cruz, Michelle Pfeiffer, Willem Dafoe, Tom Bateman ou Derek Jacobi, para além do mesmo Branagh a fazer de Poirot - convenhamos que a versão protagonizada por Albert Finney, Sean Connery, Richard Widmark, Jacqueline Bisset, Lauren Bacall  ou Ingrid Bergman, merece-me juízo francamente superior. Os meios técnicos são outros, para melhor, mas perde-se a indiscutível elegância com que a estória então se desenvolvia.
Há quarenta e cinco anos atrás, «Morte no Oriente Expresso» era um filme de entretenimento inteligente, que suscitava incomensurável prazer. A recriação de 2017 comporta momentos, que não coincidem com a personalidade do detetive belga, conhecido nos romances da autora ou na interpretação canónica de David Suchet para a BBC.

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