quarta-feira, março 20, 2019

(AV) Pintar a noite


Ao longo da sua História os homens cuidaram de representar a noite, esboçando-lhe os motivos revelados por um luar, um céu estrelado, uma vela ou até pelos raios místicos de uma luz divina. A Revolução Industrial e a disseminação da iluminação artificial suscitou uma alteração profunda no universo noturno: deixou de ser o tempo do repouso e do recolhimento para explicitar os mais contraditórios contrastes. Como é que os artistas se apossaram dessa transformação, que tanto alterou a nossa forma de olhar? Das obras de El Greco e dos mestres do claro-escuro até aos quadros da exposição «Pintar a noite» (até 15 de abril no Centro Pompidou em Metz) um documentário de Marion Schmidt  - «A Arte de Pintar a Noite» - explora um tema universal, que nada perdeu do seu lado feérico.
A noite está no centro dos debates atuais, quer sejam sociais (devem manter-se as lojas abertas à noite ou consagrá-la ao descanso?), ecológicas (como limitar a poluição luminosa, que nos inibe a observação das estrelas e perturba os ritmos da vida animal?), políticos (as travessias clandestinas das fronteiras) ou científicas (aprofunda-se o crescente conhecimento da noite).
Esse mundo noturno, com todas as questões que levanta, está presente na obra dos artistas, sobretudo a partir do final do século XIX. A noite evoluiu e transformou-nos por causa das revoluções causadas pela iluminação publica, pela psicanálise ou pela conquista espacial.
A exposição, que o Centro Pompidou de Metz apresenta desde meados de outubro, focaliza-se na pintura moderna e contemporânea e apresentou como objetivo o questionamento da nossa condição e lugar no universo, e como ele se traduz artisticamente. Porque, quer fisicamente, quer a nível simbólico, a noite permite um distanciamento da realidade, muito apreciado pela modernidade. O crepúsculo poderia constituir uma perfeita metáfora  para a volátil fronteira entre a figuração e a abstração.
O intento da curadoria da exposição foi o de transformar o visitante num noctívago capaz de sentir o que Van Gogh pretendeu com o seu emblemático quadro «A Noite Estrelada», pintado em 1889, quando estava internado no hospício de Saint-Rémi: numa carta ao irmão Théo, o pintor holandês confessou ter sentido uma tripla vertigem - a dos sentidos, a do seu íntimo e a cósmica.  E acrescentou a constatação de se revelar inadequada a tinta negra, quando afinal a noite justifica bem mais cores dos que as requeridas por cenas diurnas.
Em Metz manipulam-se os sentidos do visitante dando-lhe a sensação de avançar noite adentro na companhia de obras de Francis Bacon, Louise Bourgeois, Paul Klee, Gerhard Richter e muitos outros artistas. Uma experiência deveras fascinante!

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