segunda-feira, março 11, 2019

(DL) Quando Zweig julgou para sempre perdido o sonho de juventude


Sempre considerei absurdo o suicídio de Stefan Zweig, quando já se afastara da Europa, aonde os nazis ainda pareciam invencíveis nas suas investidas em todas as direções. A exemplo de Virginia Woolf que, antevira uma inevitável distopia nazi, Zweig suicidar-se-ia quase um ano depois da escritora inglesa, quando a Operação Barbarossa começava a dar sinais de uma próxima inversão na dinâmica dos que atacavam ou defendiam o território soviético.
É certo que deveria custar a Zweig, que a sua Viena natal estivesse transformada numa caricatura do fulgor vivido na época em que nascera em 1881. Nessa metrópole cosmopolita, e berço da modernidade, o jovem Stefan vivera uma juventude dourada tanto mais que a família, apesar de judaica, era respeitada como pertencente à alta burguesia.
O Ring era o centro da cidade, dominado pelo Palácio Imperial mandado construir por Francisco José. Vivia-se na ilusão de uma prosperidade e de uma segurança imperturbáveis por quaisquer acontecimentos, que quisessem vir pô-las em causa. As elites falavam várias línguas e expunham-se aos olhares da sociedade nos muitos espetáculos artísticos, de que asseguravam as esgotadíssimas lotações.
É dessa época ideal que, no seu exílio brasileiro, Zweig irá dar conta, naquele que seria o seu derradeiro título: «O Mundo de Ontem». Sem acesso a quaisquer arquivos pessoais, que deixara para trás, recorreria apenas ao que a memória lhe ditaria, recordando com nostalgia esse passado em que os cafés se enchiam de gente culta, informada e disposta a tudo debater e, artisticamente, criar.
Klimt, Freud ou Mahler era referências incontornáveis daquela que viria a ser considerada a Idade do Ouro da capital austríaca. Porque refletia a confiança num futuro em que a liberdade e a abertura a outras idiossincrasias prefiguraria o ideal europeu concretizado décadas depois na atual estrutura política e económica continental.
Foi por temer definitivamente morto esse sonho que, tão-só concluído o livro, Zweig entregou-se à definitiva desistência.

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