domingo, março 24, 2019

(DL) E, mais uma vez, Afonso Cruz conseguiu surpreender-me!


Surpreendeu-me a leitura de «O Principio  de Karenina», romance do prolífico Afonso Cruz, que, em pouco mais de uma dezena de anos de vida literária, tem multiplicado os títulos nos escaparates ao ritmo de quase dois por ano. Desta feita, e ao invés, do que lhe costumamos constatar, ele leva uma estória de princípio ao fim sem dela derivar para outras, que se intermediem pelo meio e pareçam ter existência autónoma.
Faz sentido essa originalidade na prosa do autor, porque trata-se da longa carta de um pai a uma filha, quando pretende dar-se-lhe a conhecer já que ela nasceu e cresceu noutro continente e cultura. O título remete para a frase com que se inicia o célebre romance de Tolstoi—”todas as famílias felizes se parecem, todas as infelizes são infelizes à sua maneira” - e confirma-a. Porque a infelicidade do narrador, das mulheres que com ele viveram e à que deu origem, ou o amigo com quem multiplicou confidências, são muito específicos na forma de a vivenciarem.
Romance de gente rejeitada faz todo o sentido a interligação com o drama dos refugiados, que reveste o cenário latente em que tudo se passa. Porque os muros individuais replicam-se nos das nações e expressam o mesmo sentimento, como Cruz o fundamenta: “quando erguemos muros, ficamos parados num espaço. As pessoas imaginam que é para impedir os outros de chegar até nós, mas os muros acima de tudo impedem que cheguemos aos outros, que possamos sair deles também”.
Implícita fica a noção de, tal qual cantava Zeca Afonso a propósito da cidade sem muros, nem ameias, a felicidade fazer-se mais exequível quando vencemos os medos e nos confiamos empaticamente aos outros. Talvez assim consigamos parecermo-nos com quem admiramos pela exuberância do seu hedónico comportamento., aparentemente libertos de quaisquer crises existenciais!

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