domingo, março 24, 2019

(DIM) «Loveless - Sem Amor» de Andrey Zvyagintsev (2017)


Há dias atrás, quando lecionava uma sessão de «Histórias do Cinema» numa universidade sénior de Almada, quis testar o tipo de  pessoas, que a ela assistiam, e atirei para a conversa a tese do cinema servir, entre outras coisas, como entretenimento. Deu-me prazer a pronta contestação à frase, explicitando-se a presença de quem, entre os participantes, olham para a sétima arte como potenciadora de bem mais compensadores benefícios: a transmissão de conhecimentos, o questionamento dos valores tidos como axiomáticos, a criação de um estado de indignação perante o que é injusto ... e todo um conjunto de outras razões justificativas do prazer com que se veem filmes, preferencialmente, numa sala de cinema, sem pipocas, nem coca-cola .
«Loveless - Sem Amor» é um filme incómodo de  Andrey Zvyagintsev. Não é a proposta mais adequada para quem queira passar  duas horas a abstrair-se das íntimas preocupações, porque espicaça-nos as emoções e coloca-nos perante um conjunto de questões, que encontramos refletidas facilmente à nossa volta: o que é uma paternidade responsável? Até que ponto a nossa felicidade pode sobrepor-se à daqueles por quem somos responsáveis? E quão infundada é a ilusão de amores alternativos mais estimulantes, quando a razão maior para o tédio conjugal é, precisamente, a incapacidade em sabê-lo contrariar, com a permanente reinvenção dos afetos?
A estória conta-se em poucas linhas, mas é a forma como o realizador russo a desenvolve, que justifica o interesse com que nele nos prendemos: aos doze anos, Alyosha vê os pais a disputarem-se entre si, porque, em vias de se separarem para apostarem em relações com novos parceiros, nenhum deles quer levá-lo como lastro da conjugalidade destruída. Desaparecendo, o rapaz parece facilitar-lhes a vida, mas obtém justa vingança pondo-os a procura-lo no resto do filme, acompanhados pela polícia e por uma associação de voluntários, em esforços infrutíferos, mas que têm o condão de lhes suscitarem complexos de culpa por quanto resultara dos seus egoísmos. E, no entanto, passado um ano, conclui-se o óbvio: nas novas relações amorosas, eles tinham alcançado um estado de infelicidade tão notório, quanto o conhecido na anterior...

Sem comentários: