domingo, maio 31, 2020

(S1) Confinamentos noutras geografias (e não só!)


1. Em reportagem emitida por um canal francês mostra-se a dura realidade dos trabalhadores agrícolas, quase todos latinos e ilegais, nos campos da Califórnia, nestas semanas de confinamento, quando o que aparece no prato dos norte-americanos depende do seu imprescindível labor. Quase invisíveis a quem os deveria valorizar acabam por revelar o quanto o sonho americano é um pesadelo para quem nele acredita, porque basta a redução do dia de trabalho para seis horas diárias e logo não ganharem o suficiente para sequer se sustentarem. A realidade é que a quebra na procura de legumes e de fruta devido ao fecho das cantinas escolares e dos restaurantes, levou os latifundiários a reduzirem-lhes a atividade, habitualmente praticada de sol a sol como sucedia nos mais odiosos tempos do salazarismo nos campos do Alentejo.
2. Mais aprazível é outra reportagem na reencontrada Rússia das datchas. Com as ruas moscovitas vazias, porque assim o predispõem as orientações do governo de Putin, os habitantes que possuem casas mais ou menos confortáveis fora da cidade a elas voltam, aproveitando para plantar legumes e árvores ou cuidar de galinhas, patos e outros animais domésticos, na previsibilidade de o futuro lhes dar plena justificação se quiserem ter comida no prato.
O regresso à vida familiar é uma reconquista valorizada, há quem aproveite para ler o que há muito mantinha adiado e outros encontram o clima propício para darem asas à criatividade.
Em pleno século XXI há o retorno a uma atmosfera campestre, que associamos às grandes peças de Tchekov.
3. Surpreendente outra reportagem sobre o esbulho que milhares de trampões norte-coreanos andam a fazer às riquezas piscícolas da costa russa no oceano Pacífico à volta de Vladisvostoque. Redes com uma malha tão fina, que até os países mais complacentes proíbem aos seus pescadores, rapam tudo quanto vive nas baixas profundidades entre a superfície e os fundos marinhos, causando um dano irreversível em águas ainda há pouco consideradas como das mais ricas do planeta.
O regime da dinastia Kim contorna assim o bloqueio económico ditado internacionalmente, não só alimentando a sua população, mas sobretudo, financiando-se através das ininterruptas exportações de produtos do mar para os movimentados mercados chineses.
4. Às vezes alguns documentários lembram aqueles célebres versos do poeta Aleixo sobre deverem contar alguma verdade as mentiras, que os seus autores pretendem tornar credíveis. Vem isto a propósito da abordagem do financiamento dos grupos terroristas do tipo Al Qaeda  ou Daesh por parte do regime sírio de Bashar al Assad, valendo-se para tal de um trânsfuga do regime interessado em lambujar-se com os despojos da sua queda se acaso ela vier a replicar o sucedido com Saddam Hussein.
Voltando quase duas décadas atrás não é difícil recordarmos alguns opositores ao presidente iraquiano, que multiplicavam as “provas irrefutáveis” em seu poder sobre os programas de armas químicas e nucleares então em curso. A CIA financiava-os, George Dabliú fingia neles acreditar e as sinistras figuras atrás dele preparavam os lautos negócios, que o petróleo e outras riquezas ali adivinhadas lhes proporcionariam.
Neste tipo de documentários voltamos ao mesmo: não se ilude a importância dos fluxos de dinheiro provenientes da Arábia Saudita e dos emiratos do Golfo Pérsico para alimentarem a máquina de guerra do efémero Califado, não se esconde a cumplicidade ativa de Erdogan, nem a participação de multinacionais como a cimenteira Lafarge, que evitaram prejuízos negociando os valores da sua extorsão para que continuasse ativa a sua unidade iraquiana.
O essencial do documentário é, porém, o de associar Bashar al Assad ao terrorismo islâmico como se não tivesse sido este o causador da destruição de grande parte do seu país e a derrota definitiva do Daesh o mérito da coligação entre o exército sírio, as forças russas e os soldados enviados pelo regime de Teerão. Não admira que, perante, o colapso da sua estratégia para a região, Trump tenha dado o assentimento ao assassinato do general iraniano, que terá sido determinante para acabar com essa ameaça.

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