sexta-feira, maio 22, 2020

(DL) O fascínio de Roland Barthes pelo Japão


Em 1966, quando faz a primeira das três viagens ao Japão nessa década, Roland Barthes já é um conceituado intelectual francês numa altura em que essa categorização fazia todo o sentido. Porque era, igualmente, o tempo de Sartre e de Beauvoir, de Althusser ou Aragon. Ele era conhecido pela coletânea de ensaios «Mitologias» que, em 1957,  causticara os signos de uma subcultura pequeno-burguesa em plena afirmação numa sociedade definitivamente virada de costas para a Segunda Guerra.
Convidado a apresentar uma conferência em Tóquio, Barthes parte para o Oriente decidido a identificar no arquipélago nipónico as suas mais evidentes idiossincrasias. E Barthes irá de surpresa em surpresa, reconhecendo a prevalência de uma elegante sensualidade ou a inexistência de gestos gratuitos. Até os controladores de entradas e saídas de passageiros no metropolitano confirmam essa ilação de só gesticularem contidamente, cingidos ao essencial.
Nos passeios por ruas estreitas e labirínticas, sem qualquer apoio de placas que lhe facilitassem a tarefa, questiona amiúde os japoneses comuns quanto às direções a tomar e fica fascinado com os desenhos artísticos por eles esboçados no papel para lhe darem tais informações. E em «L’Empire des Signes» confessará a surpresa perante um consumismo desenfreado, mas sem a vulgaridade testemunhada no ocidente.
Outra constatação surpreendente é a de não identificar um centro para a enorme metrópole, distribuída heterogeneamente sem eixos estruturadores percetíveis, embora desconfie que esse fulcro situa-se no belo parque onde, no seu interior, esconde-se o inacessível palácio imperial. Outros núcleos possíveis acabam por ser as frequentadíssimas estações ferroviárias, já então verdadeiras cidades dentro da própria cidade com as suas muitas lojas e serviços, que delas faziam enormes centros comerciais.
Numa sucessão de enriquecedoras experiências, Barthes visita as muitas salas de jogos, ruidosas e enfumaradas, onde empregados de escritórios jogam incessantemente em máquinas semelhantes aos flippers norte-americanos. E, obviamente que não lhe escapa a gastronomia japonesa, requintada e com uma carga simbólica complexa atribuída aos condimentos, que resultam em pratos finais artisticamente decorados como se fossem harmoniosas esculturas.
Ao regressar a França Barthes teve a noção de ter visitado uma cultura propiciadora de inesgotáveis descobertas.

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