sexta-feira, maio 29, 2020

(DIM) Um documentário de Orson Welles


Em 1955 Orson Welles acabara de chegar ao seu 40º aniversário e Hollywood tratava-o como um pária porque O Quarto Mandamento e A Dama de Xangai tinham constituído amargos fracassos comerciais. Como solução de recurso o realizador vira-se para a televisão e aceita rodar uma série de documentários com o título de Around the wold with Orson Welles, quase todos perdidos pela usura do tempo.
Um dos que se pode apreciar na integralidade é o dedicado ao País Basco francês, essa terra onde descobre que os habitantes defendiam ter sido ali a morada de Adão e Eva.
Assumindo-se como um misto de jornalista e antropólogo, fixa-se em Ciboure durante as semanas suficientes para captar o que mais o fascina nas tradições e nos valores dos habitantes da região. A aldeia, junto ao porto piscatório de Saint-Jean de Luz, fora a escolhida pelo seu amigo Charles Baker para viver os meses que lhe restavam antes do cancro terminal o levar, ao mesmo tempo que se punha a coberto das perseguições macartistas.
Aí chegando, quando ele já morrera, Welles recorre ao filho, um miúdo de nove ou dez anos, para servir de guia à forma como se jogava a pelota basca. Antes, porém, recolhera imagens da fronteira entre a Espanha e a França, onde os contrabandistas trocavam as voltas às autoridades de ambos os lados. Sare, a aldeia mais próxima dessa fronteira, surpreende-o pela arquitetura sui generis, a via medieval que a atravessava e a singular igreja Saint-Martin.
Com a liberdade possibilitada pela reduzida equipa, que o acompanha, Welles revoluciona a linguagem estética dos documentários escolhendo enquadramentos inovadores, que passarão a ser replicados por outros realizadores. E por ele próprio nos dois filmes que estava então a preparar: Relatório Confidencial (1955) e A Sede do Mal (1958).
A estadia de Welles no País Basco e nas outras paisagens visitadas nos seis episódios da série acabaram por constituir um parêntesis feliz no seu percurso criativo.

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