sábado, maio 16, 2020

(I) A geopolítica do medicamento


Interessante um dos programas hoje emitidos pela France Culture sobre a mudança de paradigma, atualmente em curso, quanto à forma como esta pandemia anda a a medir o que faz a potência das grandes nações: se depois da Segunda Guerra Mundial, e mesmo depois do fim da Guerra Fria, essa aferição residia nas capacidades militares, associadas aos investimentos e dimensão das indústrias respetivas, o covid-19  veio enfatizar a importância dos recursos investidos na Investigação e Desenvolvimento de medicamentos, que passaram a ter um papel estratégico.
O Nobel da Paz Muhammad Yunus afirma que a pandemia ofereceu-nos uma ocasião extraordinária, capaz de pôr em causa a realidade anterior e dela erradicar o iminente desastre ecológico e as desigualdades próprias de um sistema económico moribundo.
A mundialização, a interdependência, a diversificação e a deslocalização das cadeias de valor conduziram à situação atual, que demonstra os limites das grandes farmacêuticas cujo funcionarem segue a exclusiva lógica do lucro.
Mouhoub Mouhoud, professor da universidade Paris-Dauphine constata que, a exemplo dos outros oligopólios, os grandes grupos farmacêuticos apostaram numa divisão clássica e tayloriana do trabalho, que reduziu os custos colossais da I&D, e potenciou o pagamento de chorudos dividendos aos acionistas. Razão porque, tão só caídas no domínio público, as patentes passaram a ter na China e na Índia os principais produtores de medicamentos. A China especializou-se nos princípios ativos, a Índia nos produtos acabados. O problema para o atual primeiro-ministro indiano, cujo  nacionalismo configura uma governação autocrática, é depender economicamente de uma indústria cujas exportações lhe garantem 20 mil milhões de dólares anuais e a saber totalmente carente das matérias-primas fornecidas a montante pelo rival chinês.
A China chega a esta fase da pandemia com a superioridade de quem mais aceleradamente poderá descobrir os tratamentos e a almejada vacina, aprestando-se para vencer uma disputa com os norte-americanos, que lembra a outrora vivida pela União Soviética na conquista espacial. Para Nathalie Coutinet, investigadora da universidade Paris-Nord a indústria farmacêutica depende dos sistemas de segurança social dos Estados. Estes têm pois, as armas necessárias para lhes exigir a relocalização da produção de forma a evitarem as penúrias hoje evidenciadas pela fragmentação das cadeias de valor.

Sem comentários: