quarta-feira, maio 13, 2020

(DL) Uma voz a clamar do deserto


Hissa Hilal é uma mulher saudita, que merece admiração pela forma como utilizou um concurso televisivo para fazer ouvir a sua voz irreverente contra algumas das mais inaceitáveis práticas sociais e religiosas do seu país.
As circunstâncias escolhidas para se fazer ouvir foram as mais singulares: uma das mais vistas cadeias de televisão do mundo árabe organizou um concurso de poesia com prémios valiosos a quem se mostrasse mais dotado na criação e recitação dos seus versos.
Só essa constatação bastaria para nos abanar nalgumas convicções: enquanto por cá os espectadores vão-se estupidificando com reality shows as populações árabes são estimuladas a valorizar a importância da poesia. Só que a  coutada, supostamente reservada aos homens, viu-se perturbada por uma mulher cujos versos realçam a importância do papel da mulher no seio das famílias ou a absurda capacidade de certos clérigos anunciarem fatwas contra quem consideram hereges.
Ficando em segundo lugar - poderia a ousadia dos organizadores dar a uma mulher o primeiro prémio? - ela viu-se ameaçada por quem a viu como a voz rebelde capaz de pôr em causa uma sociedade patriarcal cujos contornos se viram acentuados nas últimas décadas porque, olhando para trás, Hissa Halal mostra fotografias da avó ainda não obrigada a tapar o rosto como ela se vê obrigada a fazer.
Se Galileu fosse vivo diria que, também no mundo árabe, a Terra continua a girar. E esta poetisa faz os possíveis para que acelere nesse imparável movimento.

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