segunda-feira, maio 18, 2020

(DIM) John Huston, o caçador branco com coração negro?


No início dos anos 50 Peter Viertel acompanhou a equipa de produção de A Rainha Africana ao Uganda e ao Congo para um work in progress: adaptar o argumento criado a partir do romance de C.S. Forester aos locais da rodagem, aos humores de Bogart e de Hepburn e às limitações suscitadas pela censura, à partida desconfiada da coabitação de uma solteirona e de um homem cheio de testosterona no espaço exíguo de um barco a descer um rio e a atacar um vaso-de-guerra alemão num lago.
O relato dessa lendária aventura daria ensejo a um romance, publicado dois anos depois da estreia do filme, e transposto para cinema em 1990 por Clint Eastwood.
O fulcro da história incidiu na obsessão de Huston em matar um elefante, o verdadeiro motivo porque quisera rodar o filme no sítio onde poderia concretizar essa ambição. Regressar a Hollywood com duas vistosas presas em marfim era o que o realizador pretendia, daí se justificando o desinteresse com que ia encarando as filmagens, exasperando atores e técnicos ansiosos por fazerem o trabalho por que eram pagos e regressarem a casa.
Após muitas surtidas na savana com um guia local, que lhe asseveraram ser o melhor da região, Huston conseguiu o objetivo, derrubando um vistoso macho com os seus tiros certeiros. Mas a manada a que ele pertencia ficou em pânico procurando escapar do local do perigo com a rapidez assustada de quem para nada olharia. Nem sequer para o tal guia, que ficou espezinhado debaixo de um desses animais em fuga.
A macabra intenção de Huston concluía-se de forma trágica, relatando Viertel a cerimónia fúnebre ao som dos tambores da aldeia enlutada. Olhando para a história concluímos ser ela demonstração da regra, tantas vezes repetida, de quem sempre tombou como resultado dos fúteis caprichos dos colonizadores, mas Viertel fez uma leitura enviesada de tal corolário ao concluir que, matando um elefante, Huston passara, de alguma forma, a integrar-se na população local, a única com “legitimidade” para matar os enormes mamíferos...

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