quinta-feira, maio 14, 2020

(DL) Retomando apreciação sobre «Viagens» de Olga Tokarczuk


A entrar nas últimas cem páginas do livro de Olga Tokarczuk continuo a surpreender-me com os assumidos e heterogéneos conteúdos: esta tarde entrei na história de uma bióloga a viver nos antípodas, chamada a Varsóvia pelo antigo namorado, que muito amara no final da adolescência.
A pretexto de se deslocar a um Congresso, ficamos na expetativa de sermos voyeurs de um encontro clandestino entre antigos amantes, há muito separados pela geografia e pelos afetos. Como se se tratasse de uma última oportunidade para explorarem os sentimentos, que a distância diluíra, quando a família dela abandonara a Polónia comunista, primeiro para tentar vida mais animada na Suécia e, depois, para o outro hemisfério.
A surpresa ocorre, quando percebemos os verdadeiros motivos dessa viagem: acometido de doença incurável, que lhe causa terríveis dores na fase terminal, ele pedira-lhe ajuda para abreviar o fim. E o derradeiro ato de amor por ele é o de lhe injetar a dose adequada de morfina para, enfim, descansar. Mesmo que, nem um, nem outro, reconhecesse no outro os traços dos jovens que haviam sido e os corpos, que haviam amado. Mas, para o efeito, terá bastado saberem quem eram e haviam sido...
E assim fica descrita em duas dúzias de página uma eloquente demonstração da justeza da eutanásia como ato de amor por quem dela carece...

Sem comentários: