quinta-feira, maio 21, 2020

(DIM) O processo do século


Nas últimas semanas de 1945 os grandes jornais e revistas mundiais enviaram repórteres para cobrirem aquele que seria o mais importante julgamento do século XX: o dos altos responsáveis nazis, que tinham secundado Hitler na criminosa tentativa de impor o tal império ariano com ambição de vir a durar mil anos. Entre esses repórteres estavam grandes intelectuais (Hemingway, Steinbeck, Erhenburg, Elsa Triolet, Alfred Döblin) e futuros políticos (Willy Brandt ou Marcus Wolf).
Embora fizesse todo o sentido que Nuremberga fosse a sede desse julgamento - ali tinham decorrido os principais congressos do partido nazi! - as razões da escolha tinham sido bem mais prosaicas: embora a cidade estivesse quase integralmente destruída pelos bombardeamentos aliados, o enorme Palácio da Justiça escapara quase incólume a tal destino. Na Alemanha derrotada era dos poucos edifícios, que possibilitariam a organização do processo.
Os repórteres tinham a curiosidade de aferir as reações dos autores das atrocidades denunciadas desde que os campos de concentração tinham sido libertados. Daí que os surpreendesse o sorriso triunfante de Goering, aparentemente convencido de ser ele quem conduziria doravante os acontecimentos não se privando de multiplicar conselhos e orientações aos demais réus.
Havia quem assistisse ao julgamento acreditando ser ele a base de uma futura utopia. Era o caso do autor de «Berlin Alexanderplatz», mas Victoria Ocampo mostrava-se mais racional: nas vezes em que arriscara passear-se pelas ruas, sentira a agressividade silenciosa dos que procuravam algo com que se pudessem alimentar ou vestir nos montes de destroços. Pressentia neles um desejo de vingança, que porventura, explicaria as palavras do procurador norte-americano, lesto a considerar não ser aquele o julgamento do povo alemão, mas dos que o tinham manipulado e impelido para a guerra assassina. Logo à partida dava-se a possibilidade de, os mais hipócritas, virem a penitenciar-se da cumplicidade (e foi assim que Albert Speer, responsável por toda a logística do armamento do regime, escapou à pena máxima) ou alegarem o desconhecimento das atrocidades recém desvendadas.
Momento crucial do processo foi a exibição de um filme com o que as tropas aliadas tinham encontrado em Auschwitz e outros campos da morte. Quando as luzes voltaram a acender-se, o silêncio na sala foi total. E, cabisbaixos, os réus saíram, porventura conscientes da inevitabilidade das penas a que se viriam a sujeitar.
Nove meses depois, quando o julgamento foi dado como concluído, estavam lançadas as bases para o que viria a definir o Direito Internacional nas décadas seguintes.

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