quarta-feira, maio 13, 2020

(EdH) Billy the Kid, entre a lenda e a realidade


De um notável filme de John Ford sabemos bem como no Oeste Selvagem, entre a verdade e a lenda, é sempre esta que prevalece por melhor contribuir para a criação dos mitos tão necessários a uma nação ainda muito jovem e sem a patine dos séculos pelas demais conhecida.
A fama de William Bonney, mais conhecido por Billy the Kid, cresceu estratosfericamente no dia 28 de abril de 1881, quando fugiu da prisão onde aguardava o momento de ser levado para a forca. Inteligente na forma como iludiu os carcereiros, abateu-os com as próprias armas e pôs-se em fuga para exaspero das autoridades anglo-saxónicas, que o haviam transformado em inimigo público nº1 e para gáudio da comunidade de origem hispânica, sempre disposta a albergar quem considerava como o braço armado da vingança, que desejariam ver imposta aos que a roubava e humilhava.
Numa das poucas fotografias, que dele se conhece, William parece ser um simplório a olhar para a câmara com a postura pouco à vontade de quem não se habituara aos sinais de modernidade, que tenderiam a «civilizar» uma região sem lei de que ele representava anacrónico símbolo. E, no entanto, nos seis anos decorridos entre os primeiros problemas com a justiça e o momento da sua morte à traição, ele várias vezes procurara entrar nos eixos e converter-se num cidadão respeitável. O problema residiu nas circunstâncias adversas, que sempre lhe condicionaram as opções.
Tinha quinze anos quando praticou o delito inicial, o do assalto à mão armada a uma lavandaria chinesa, A tuberculose levara-lhe a mãe há pouco tempo e o padrasto logo se dissociara da sua responsabilidade. Sem qualquer formação nem ofício, que outra alternativa lhe restava que não fosse a delinquência?
Levado para a prisão na sequência desse assalto, cuidou logo de se pôr a milhas naquela que figurou como a sua primeira evasão. Sem cavalo ou pistola conseguiu atravessar o deserto entre o Novo México e o Arizona, onde quis encontrar emprego como vaqueiro. Mas nada percebendo da profissão o melhor que arranjou foi a de cozinheiro mal remunerado. Razão porque depressa preferiu voltar a formas mais expeditas de acumular riqueza - o roubo de cavalos - ganhando o bastante para comprar o objeto mais desejado: um revólver. Em pouco tempo converteu-se em exímio atirador, uma competência que, doravante, lhe seria muito útil. De imediato bastaria para arrumar com um fanfarrão, que se pusera a provoca-lo num bar e retribuído com uma bala no peito.
Esse homicídio fê-lo regressar ao Novo México onde, de repente, lhe apareceu a oportunidade de se regenerar: um fazendeiro, John Henry Tunstall, contratava para o seu rancho um conjunto de homens à deriva que aprenderiam com ele o ofício de vaqueiro e poderiam recomeçar depois as suas vidas. Mas o projeto colidia com os interesses dos dois caciques da região, os irlandeses Dolan e Murphy que incumbiram o xerife Brady de assassinar o singular idealista.
William e os parceiros na aventura engendrada por Tunstall compreenderam o que estava em questão e organizaram-se numa milícia, os Reguladores, que se ajuramentaram a vingá-lo. E, assim foi: na rua principal de Lincoln City, Brady e o seu adjunto Hindman foram abatidos poucos dias depois. A vingança não se ficou por aí: os Reguladores tinham criado uma lista negra e por todo o condado semearam o pânico e os cadáveres.
Decidido a pôr ordem numa região, que virara um caos, o governo federal enviou um novo governador para a pacificar. Conferenciando com a milícia levou Dolan à prisão acusado de vários crimes, mas logo foi libertado, quando, dando a missão por cumprida, esse representante de Washington virou costas à região.
Sabendo que voltavam a ficar entregues a si mesmos, a maior parte dos Reguladores partiram para outros Estados. Billy decidiu ficar porque se embeiçara da bela Paulita Maxwell a quem destinara a tal fotografia rara falada no início do texto. E comandando o seu próprio bando multiplicou assaltos, que não chegaram porém a ser tantos quantos lhe atribuíram, porque a imprensa ao serviço dos notáveis da região, viam nele o bode expiatório sobre quem poderiam assacar todas as culpas.
Um novo e ambicioso xerife, Pat Garrett, calculou o quanto lhe seria vantajoso capturá-lo. E conseguiu-o num cerco, que lhe granjeou súbito prestigio ao passear o prisioneiro pelas ruas de Las Vegas. Mas a fuga subsequente, já  referida, fez empalidecer a estrela do justiceiro. Que só dois meses e meio depois abateu traiçoeiramente o foragido graças à delação do irmão de Paulita, incomodado com o namoro da irmã.
Promovido a ser lendário à medida de um Robin dos Bosques do Oeste Selvagem, Billy the Kid apenas contava vinte e um anos quando foi morto. O seu algoz pouco gozaria da efémera fama de ter sido quem o abatera: quando foi morto misteriosamente, um quarto de século depois, há muito se tornara num miserável sempre perseguido pelas dívidas ao jogo.
Para a literatura de cordel, tão rica nessa viragem do século XIX para o que se lhe seguiu, Billy the Kid converteu-se num grande herói popular e Pat Garrett seria lembrado como aquele que, só pela perfídia, o matara.

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