segunda-feira, maio 25, 2020

(G) O exílio de Dora Maar


Quando Picasso a trocou por Françoise Gilot, os amigos de Dora Maar temeram que ela se suicidasse. Os dez anos de duração desse relacionamento amoroso tinham-lhe posto em causa o gosto pela independência e o carácter tempestuoso, que a levara a escolher a palavra alemã Maar (ou seja cratera resultante da explosão de um vulcão) para se afirmar como uma das grandes fotógrafas surrealistas.
Embora reclusa em Ménerbes, na casa que o amante lhe comprara a vinte quilómetros da que lhe servia de morada oficial no sudeste francês, Dora esforçou-se por desmentir esse íntimo devastado, que era, efetivamente, o seu nessa altura.
Nas décadas seguintes privilegiou o usufruto do silêncio ao sol, potenciando a sensação de felicidade propiciada pelo misticismo católico a que progressivamente se rendeu. Na tranquilidade austera dos dias foi exorcizando os monstros que ainda a iam assombrando, através da pintura e da fotografia.
Os quadros mantiveram as influências da escola surrealista e, sobretudo, o seu olhar de fotógrafa. Mas, quando com a sua câmara captou imagens das montanhas do Roussillon, recorreu ao preto-e-branco, deixando os seus matizes reproduzirem os vários tons dos ocres refletidos pelas sucessivas inclinações solares.
Noutras experiências estéticas optou por raspar os negativos de rolos de fotografias, criando manchas, que pressentia serem possíveis portas de acesso ao seu íntimo, que nunca deixou de procurar...

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