quinta-feira, dezembro 13, 2018

(DL) «A Lenda do Vento» de Stephen King


Dos livros tipo melhoral (“não faz bem, nem faz mal”), os que mais me divertem são os de Stephen King. Vertidos para cinema ou séries televisivas, o resultado tem sido fracote - com exceção da investida de Kubrick no «The Shining» - mas muitos desses romances têm tido o condão de me agarrarem de fio a pavio, não os largando senão quando é chegada a última página. Como entretenimento sem grandes exigências, recomenda-se...
Não se tratando de uma das suas melhores obras, «Cujo» deu-me a inolvidável experiência de o ter comprado em versão castelhana numa livraria de Buenos Aires, e não o ter largado na noite seguinte, quando o paquete «Funchal» rumava até Montevideo, acabando-o mesmo a tempo de vestir a roupa de trabalho e descer à casa das máquinas para as manobras de atracação na capital uruguaia, estava a manhã a romper.
Publicado em 2012, «A Lenda do Vento» é uma sequela do ciclo da «Torre Negra» e replica três universos distintos: o das «Mil e uma Noites» em que as histórias se encadeiam através de personagens de uma aventura a contarem, de permeio, as vicissitudes experienciadas por outros; o de Lovecraft com seres reptilianos a ameaçarem quem ousa penetrar-lhes no território; e o de Tolkien com miúdos decididos a empreenderem a busca do que entendem ser imprescindível.  Mas outras referências são, igualmente, chamadas à colação, nomeadamente as decorrentes de sucedâneos dos Cavaleiros da Távola Redonda.
O que mais estimula neste tipo de leitura é o facto de, aceitando estar-se num universo de fantasia, todas as lógicas ficarem comprometidas: há homens, que se transformam em monstros, e vice-versa - encontrando-se aqui um Merlin liberto de um encantamento maléfico, nele induzido, quando estava bêbedo.
O tempo é o de um futuro distante - ou se calhar não tanto! - em que a Terra, ou pelo menos os Estados Unidos - mergulharam em inexplicada distopia. Há pistoleiros, que cumprem a função outrora reconhecida aos xerifes, e furacões de uma ferocidade como ainda não é propriamente conhecida nos atuais. A história, que dá título ao livro e lhe ocupa metade das páginas, é contada por Roland (outro nome integrado na mitologia arturiana) aos membros do seu ka-tet: um miúdo de onze anos tem de vencer desafios muito para além do que ditariam as limitadas capacidades, procurando nas profundezas da Floresta a cura para a cegueira da mãe. Esta fora violentamente agredida pelo padrasto, entretanto desmascarado por ele como assassino do pai, porque nunca se conformara ter-se visto preterido pelo sócio e rival no acesso ao leito da bela Nellie.
A viagem de Tim é iniciática, vencendo sucessivos obstáculos, que tanto podem ser dragões como répteis tenebrosos escondidos nas águas pantanosas, e contando com a providencial ajuda de seres mutantes condenados a iminente extinção.
Com esse enredo associa-se outro, o do desmascaramento e eliminação de um terrível homem-pele, que não é mais do que um mineiro tocado por sinistro sortilégio no buraco fundo em que ele e outros «salgados» vivem num regime de quase escravatura. Depois de semear a morte e o pânico em torno de uma convencional cidade do Oeste americano, é identificado por um miúdo da idade de Tim, que ganha, a seu exemplo, o estatuto de juvenil herói do romance.
E, por essa parte da história, ficam-se a conhecer as circunstâncias, que tinham levado Roland a ter cometido o involuntário matricídio, de que tomáramos conhecimento quase nas primeiras páginas do romance.
King confirma-se como um inesgotável contador de histórias, nelas inserindo subtis críticas ao que se vai passando na América capitalista em que vive. Não dá para iludir o facto de se tratar de um dos mais assumidos paladinos do Partido Democrata, costumando apontar aos republicanos argumentos mais contundentes do que os de Maomé a respeito do toucinho.

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