segunda-feira, dezembro 24, 2018

(DIM) «Lucky» de John Carroll Lynch (2017)


O ano está quase a acabar e, cá em casa, tivemos um diferendo menor a respeito de qual foi o filme visto em 2018, de que mais gostámos. Eu fiquei-me no «Paterson» de Jim Jarmusch, a minha caríssima metade pelo «Lucky» de John Carroll Lynch. E essa divergência é tanto mais irrelevante, quanto facilmente ficaríamos em total sintonia se a questão fosse posta de outra forma: «quais os dois melhores filmes vistos em 2018?». Aí faríamos coro síncrono relativamente aos do nosso encantamento. Sem esquecermos a revisão dos dois de Patricio Guzman («Nostalgia da Luz» e «O Botão de Nácar»), que sempre reencontramos com total agrado depois de os termos descoberto dois anos atrás no Ideal Paraíso.
«Lucky» é uma reflexão sobre a morte iminente, feita em torno de um nonagenário, que vive numa pequena vila californiana. E possibilita a Harry Dean Stanton uma justa homenagem, naquela que seria a sua derradeira interpretação no Cinema, antes de morrer em setembro do ano transato.
De início temos um cágado fugitivo, o Presidente Roosevelt, chorado pelo dono, que já lhe ganhara imperdível afeto por ter  elemento constante na sua vida, sobrevivendo aos seus dois casamentos e outros tantos divórcios. David Lynch dá a esse Howard a excentricidade, que revelará nas diversas vezes, que aparece na estória.
Lucky vai vencendo a solidão dando a volta diária pela urbe, para estacionar em tantos estabelecimentos quantos os necessários para manter sociabilidades, ora empáticas, ora doseadas de alguma tensão verbal.
Há a loja onde compra o leite e o tabaco e cuja proprietário o convida para participar na festa de aniversário do filho. Nela ocorre uma das cenas mais belas de quanto apreciámos nos últimos anos: quando parece à parte no convívio daquelas famílias mexicanas, Lucky levanta-se e canta uma belíssima canção de amor que a todos surpreende e deslumbra, acompanhado pelos mariachis.
Há o restaurante em que mantém picardias verbais com o proprietário e justifica a simpatia das empregadas, uma delas a partilhar com ele umas horas de televisão para recordarem o espantoso Liberace.
Há o bar onde bebe bloody marys e discute questões existenciais com os frequentadores. Questões que são levadas ao limite das respostas possíveis na visita ao médico depois de desmaiar, vítima de uma tontura. E com a conclusão óbvia: a impossibilidade de se contornar o medo de morrer, sobretudo por se saber nada existir no mirífico Além.
No final ao regressar a casa depois de mais um dia na vila, quase se cruza com o cágado, decidido a voltar a casa depois de uma surtida, que só ele saberá porque a fez.
Extremamente divertido, comovente e perspicaz nos diálogos, «Lucky» é daqueles títulos onde apetece voltar muitas vezes, tanto mais que incide num tema maior, que a todos diz respeito…

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