sábado, dezembro 08, 2018

(DIM) «Blade Runner 2049» de Denis Villeneuve (2017)

Há trinta e cinco anos, quando esperava na maternidade, que a minha filha nascesse, iludi o nervosismo da espera com a leitura do romance de Philip K. Dick, cuja adaptação ao cinema estreara em Portugal dois meses antes. Nos anos seguintes leria tudo quanto de disponível houvesse da obra do escritor norte-americano embora a qualidade da maioria das traduções deixasse muito a desejar.
Quando Ridley Scott decidiu retomar a história do seu filme de então, e incumbiu Denis Villeneuve de realizar o argumento preparado por Hampton Fancher e Michael Green, tive dúvidas, que o resultado me viesse a acrescentar o que quer que fosse ao suscitado pela proposta original. Não se costuma aventar a prudência evitar o regresso ao local onde se fora feliz? Ora, durante a fruição do filme de 1982, o prazer fora tal, que dificilmente o replicaria nesta nova versão. Assim sucedeu de facto, porque a maturidade é outra, e a disponibilidade para entrar dentro de uma estória, dela me ausentando de tudo o que nos cerca, é bastante menor. Mas reconheço no filme muitos méritos, que vão para além da interpretação dos atores, ou da excelência dos cenários. Os temas para cuja ponderação somos solicitados são dos mais pertinentes, a começar pela clara denúncia do capitalismo selvagem, que não olha a quaisquer meios para exponenciar os lucros. Se a Tyrell Corporation do primeiro filme era ávida dos lucros propiciados pelos Replicantes, a Wallace, que a terá entretanto comprado, ainda se revela mais obcecada pela multiplicação do negócio, não hesitando em matar quem possa pôr-lhe em causa a aquisição dos meios para o conseguir. Havendo uma enormíssima primazia de personagens replicantes em relação aos que se podem considerar como humanos, e cabendo aos primeiros as tarefas de execução dos trabalhos necessários para fazer funcionar a civilização, enquanto aos segundos estão destinadas as de direção, a evidência de uma luta de classes surge como óbvia, com os espectadores instados a aderirem emocionalmente aos interesses dos explorados contra os seus exploradores.
O que estimula a cobiça do oligarca sinistro, que dá o nome e dirige a Wallace Corporation, é a possibilidade de reverter em lucros a capacidade dos Replicantes em se reproduzirem. A procura pela criança que, cerca de trinta anos atrás, terá nascido dos amores entre Deckard e Rachael, converte-se numa competição feroz, que acompanhamos pelos atos e olhares de K., o personagem interpretado por Ryan Gosling, que chegamos a adivinhar ser quem foi gerado por esse casal. A velha questão sobre a busca da identidade guia-lhe a investigação, que o leva aos mais distópicos cenários da involução civilizacional decorrente de uma desigual distribuição da riqueza, criando exércitos de ferozes marginais apostados em garantirem os meios mais básicos para a sua sobrevivência.
A questão do amor é outra, que o filme desenvolve através da relação de K com Joi, uma criação hologramática, que consubstancia todos os fantasmas eróticos suscetíveis de lhe estimularem os sentidos e de o fazerem sentir-se menos só.
Ao contrário do filme de 1982, este deixa pistas para uma eventual continuação, porque há quem diga terem nascido dois bebés, um rapaz e uma rapariga, mesmo só ficando um deles como sobrevivente do «milagre». À partida K leva Deckard a conhecer a filha, que vive enclausurada numa bolha de proteção por faltarem-lhe as capacidades imunológicas para viver num ambiente não protegido. Mas quem nos afiança, que o êxito comercial do filme venha a justificar uma sequela com K a ver confirmado o palpite, que, durante algum tempo, lhe guiara os passos? É que, espicaçado pela incógnita, ele não deixará de indagar sobre a sua origem...

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