terça-feira, novembro 22, 2016

(EOS) A história de Alvar e de Ingeborg

A inesperada aventura ocorreu-lhes há décadas, mas ainda os perturba. Porque nunca teriam sequer chegado a casar, quanto mais alcançar as bodas de ouro há pouco comemoradas com a numerosa família.
Um dia, quando a guerra parecia estar a acabar, e os alemães prestes a partir, eles tinham-se demorado numa festa até tarde e, quando acordaram, já a hora de partida do ferry para a outra margem do lago  Tinnsjø tinha passado. Ao olharem pela janela constataram-no, porém, ainda atracado ao cais.
Num ápice vestiram-se e correram que nem uns desalmados. Foi só o tempo de subirem o portaló e já o comandante dava ordem de partida.
Foram então para o salão de bordo onde estavam os demais passageiros já instalados, uns a dormitarem, outros a lerem o jornal da manhã.
As máquinas puseram-se em movimento e a respiração de ambos já se normalizara o suficiente para, tão discretamente, quanto possível irem trocando beijos, enquanto planeavam a urgência do casamento para legalizarem o que ainda se obrigavam a esconder.
Passados tantos anos nenhum deles pode situar quanto tempo decorrera desde o início da viagem. Só podem asseverar ter sido no sítio onde o lago se faz mais profundo. Um enorme estrondo, o barco todo a abanar e o medo súbito a dar-lhes conta de nenhum futuro se abrir à sua frente.
Acorreram ao convés e a inclinação  prenunciava o pior.
Temos de saltar, propusera ele. Mas foi imediata a recordação do que ela já lhe confidenciara: nunca aprendera a nadar.
Salta, que eu vou atrás. Havia tanta veemência nas suas palavras, que ele acreditou na veracidade e no que lhe caberia, então, fazer: tê-la junto a si a flutuar até algum socorro os vir salvar.
Por isso saltou sem saber que ela já se conformara em aceitar as circunstâncias, deixando-se arrastar pelo navio até ao fundo.
Não foi isso, porém, que aconteceu: sem saber explicar como, quando as águas se abriram para se consumar o naufrágio algo as fez rejeitarem-na. Se fosse crente nalguma religião teria ali a melhor prova da existência de uma qualquer entidade divina. Mas só se lembra de estar à superfície e com um barril bem perto a que se agarrar.
Pouco depois ouviu um arrastão de pesca a aproximar-se e a puxá-la para a ressurreição. Procurou à volta e não viu o namorado, mas ele já fora recolhido por outra embarcação de pesca.
Na margem os partisans comemoravam o feito, mesmo que à custa de algumas vidas inocentes: a água pesada que, a bordo, se destinava a Berlim, nunca chegaria às instalações onde os cientistas andavam a preparar o engenho nuclear com que Hitler contava virar o curso da guerra.
Agora, a olharem para a câmara que os insta a recordar os factos, Alvar e Ingeborg reconhecem a sorte de se terem escapado de um daqueles casos em que se haviam visto  no local errado á hora errada.

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