terça-feira, novembro 29, 2016

(AV) Marina Abramovic: viver intensamente a arte

Amanhã, dia 30 de novembro, Marina Abramovic chega aos setenta anos de idade. Apesar de se ter exposto a milhentos perigos, conseguiu-lhes sobreviver. A vida sempre foi intensamente vivida, servindo-se do corpo como sustentáculo para exprimir essa tensão na Arte Performativa de que foi uma das mais emblemáticas pioneiras. O tema permanente foi a da exploração dos medos.
“Se temes a dor enfrenta-a. É precisamente o que importa fazer. E foi sempre o que fiz durante toda a minha existência. Quando entro em pânico, porque me dirijo ao desconhecido, faço por vencer o medo para descobrir como é o outro lado.” - eis algo que se pode descobrir em «Atravessar as Paredes», a biografia não traduzida em português, onde se revela como uma mulher ferida no íntimo superou as suas angústias.
Nasceu e cresceu em Belgrado, na antiga Jugoslávia, quando os pais, comunistas e fiéis seguidores da linha política imprimida por Tito, ainda festejavam a vitória contra os nazis, contra os quais tinham combatido como resistentes. Mas o ambiente em casa, e fora dela, era austero, condicionado por uma disciplina, que ela sentia como asfixiante. Por isso partiu para outras paragens, acabando por conhecer o grande amor da sua vida, o artista alemão Ulay, com quem formará uma parelha inseparável durante doze anos, quer na criação artística, quer na vertente sentimental.
Entre 1970 e 1982 percorrem o mundo numa permanente viagem radicalmente ultrarromântica, quase sempre no fio da navalha pela persistente falta de dinheiro. Porque em ambos era sentida a necessidade de não estabelecerem quaisquer compromissos com o lado mercantil do mundo da Arte.
A separação também foi tudo menos convencional: percorrendo a pé 2500 quilómetros na Muralha da China durante três meses, foi aí que um tomou a direção do ocidente e o outro a contrária.
Após a rutura Ulay sempre continuou a viver na sombra desse período de partilha com ela, prosseguindo o trabalho sobre o corpo em suporte fotográfico. Mas com sucesso limitado, porque se manteve nele a intenção de rejeitar os compromissos com o tal mercado de quem sempre se quis ver a léguas. Segundo defende, uma arte que não alie estética à ética, deixa de ter para ele sentido. E está nesse princípio a crítica implícita à ex-companheira, depois fascinada pelo lado glamouroso do mundo da moda, expondo-se na capa das principais revistas dele representativas. Foi assim, que ganhou estatuto de celebridade.
No início de 2010 ousou uma experiência memorável no Moma de Nova Iorque: durante três meses sentou-se numa cadeira, oito horas por dia, sem dizer palavra. Foi a performance «The Artist is Present», que permitiu a milhares de visitantes sentarem-se-lhe à frente e buscarem-se no seu olhar.  Era assim que ela explicava essa peça performativa: “Estamos esgotados por toda esta tecnologia, esta época de não-comunicação. Por esta total impotência em exprimir as emoções e em estabelecer ligações com os outros. Agora o público sente a necessidade que lhe devolvam uma parte das suas próprias experiências. É aí que lhe presto a minha ajuda.”
Hoje em dia ela já não usa a lâmina de barbear para cortar o próprio corpo, como sucedia no início do seu percurso artístico. Em vez de torturar-se, tortura os outros, pondo-os, por exemplo, a contar grãos de arroz durante horas seguidas.
A experiência que, ao princípio, pode parecer divertida, torna-se insuportável ao fim de quarenta e cinco minutos, levando quem a faz a quase sentir-se enlouquecer. Mas passado esse momento complicado, ela assevera atingir-se uma tranquilidade até então desconhecida.
A calma, a paragem, a morte. Todo o seu trabalho tende a preparar esta última. Ela pensa que, à beira da perda da intensidade, gostará de entrar num mosteiro para preparar espiritualmente o seu fim. O que a assusta será a possibilidade de acabar num asilo da terceira idade com tudo o que isso significa de degradação e de impotência. Mas tendo já dito adeus ao sofrimento e à infelicidade, continua a pretender-se intensa: até 2020 são muitos os seus projetos a concretizar um pouco por todo o mundo.


Sem comentários: