segunda-feira, novembro 07, 2016

(DIM) Dois tipos singulares de violência

1. Recordo que, quando se estreou em 2002, «Secretária» foi muito valorizado pelos críticos dispostos a verem no realizador,  Steven Shainberg, um novo Soderbergh, cujo primeiro filme - «Sexo, Mentiras e Video» - projetara para uma sólida carreira de cineasta. O prenúncio de nada valeu, porque Shainberg não se voltou a evidenciar por nada de concreto desde que este título foi premiado do Festival de Sundance. E, tantos anos depois, ele não me convence quanto ao seu interesse, porque a psicanálise não é área de meu particular interesse.
A história é a de uma rapariga habituada a auto-flagelar-se e por isso frequentadora de instituições psiquiátricas. Num dos seus regressos a casa para comparecer no casamento da irmã mais velha, concorre ao emprego num consultório de advogados, mas cujo único verdadeiro titular é um sádico ansioso por explorar até impensáveis extremos uma relação depressa caracterizada pelo mútuo agrado e consentimento.
Convenhamos que não gosto de ver uma mulher a levar palmadas nas nádegas ou amarrada, por muito prazer, que pareça obter de tais humilhações. Mas a relação de Grey com Lee ainda mais se intensifica, quando perpetra sobre ela a maior das violências: despedi-la, privando-a de um tipo de tratamento de que ela carece como uma droga de que se sentisse dependente, agora disponibilizada a quem a irá substituir.
À distância de catorze anos, surpreende-me que o filme tenha tido tão boa receção na altura. Ou que, anos depois, o romance sobre as sombras de Grey (a coincidência do nome será mais do que isso mesmo?) tenha obtido tanto sucesso com o mesmo tema da submissão de uma mulher carente perante um macho sádico.
Quando surgiu o genérico final confesso não ter saído da minha perplexidade, apesar de nem ter gostado, nem me ter sentido eroticamente sugestionado. Compreende-se, pois, que o surgimento de Shainberg no nosso universo de espectadores de cinema se tenha assemelhado àquele tipo de cometas com uma órbita tão larga, que adivinho escassas hipóteses de dele voltarmos a ouvir falar.
2. Outra forma de violência é a que se verifica em «Querela de Campanário», onde o tema é o da rivalidade entre duas aldeias alemãs, uma chamada Rieslingen de Cima e a outra Rieslingen de Baixo, ambas condenadas a partilharem a mesma igreja e cemitério. Há algo de irracional no ódio a que os aldeões se votam uns aos outros, ademais agravado pelo acidente moral de motocicleta de uma anciã, provocado por um ninho situado na fronteira entre as duas localidades.
No funeral os ânimos exaltam-se pondo em risco a ligação amorosa entre a viticultora Klara, que vive em Cima, com o suinicultor Peter do lado contrário, tanto mais que se difunde o rumor em como estará quase vendida a igreja aonde se pretendiam casar iminente propriedade de um investidor norte-americano.
Ulrike Grotte, que já dera nas vistas num filme rodado durante o seu curso de cinema em 2004, conseguiu um razoável sucesso público com esta comédia inscrita no género do cinema provinciano.


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