domingo, novembro 20, 2016

(DIM) «Sabotage» de Alfred Hitchcock (1936)

Se se encontrasse alguém que, por absurdo, desconhecesse a obra de Alfred Hitchcock, este filme de 1936 constituiria um excelente ponto de partida. Porque nele já se encontram muitas das características da sua filmografia: em primeiro lugar o recorrente fascínio pelos objetos - uma gaiola de pássaros, uma faca, uma bobine de filme que irá explodir - captados em sucessivos grandes planos inquietantes, associados a um misticismo simbólico, que nos interroga. Depois o desprezo pela verosimilhança, pois quem poderá acreditar na descontração com que a heroína se põe a comer carne assada um quarto de hora depois de ter perdido o irmão de 12 anos numa explosão? Ou quem acreditará na vontade de um polícia descobrir o culpado de um crime por mera paixão para com uma rapariga conhecida momentos anos? Quem acreditará que se confie a execução de um ato terrorista a um arruinado homem do cinema?
Há ainda a sempre presente capacidade para utilizar o som como um personagem à parte, quer utilizando os sons dos canários, os dos passos a pisarem o pavimento, criando-se assim uma crescente tensão. Ou o amor assexuado, ainda que esse mesmo sexo surja amplas vezes sugerido como, por exemplo, no plano em que uma faca se enterra num ventre. Especifico deste filme, mas muito sugestiva é a definição da família, pois todas as crianças estão privadas do pai ou da mãe, e os progenitores tendem a arrastar os filhos para temíveis perigos.
Igualmente frequente em Hitchcock essa identificação da polícia como garantia de defesa da ordem, mas de forma tão cega, que chega a pôr em risco a relação amorosa dos protagonistas. E há, sobretudo, a direção brilhante do realizador como acontece na cena do homicídio com a faca em que se sucedem diversos planos mudos e curtos em que os olhares se cruzam e se evitam, fixam-se num objeto ou numa cadeira vazia permitindo situar os diversos personagens, juntando no mesmo plano um casal que se irá dissociar. Está aí uma das cenas antológicas da sua filmografia com a conjugação do som, da iluminação e das interpretações dos atores, recorrendo a grandes planos, a campos e contracampos, que a tornam impressionantemente bela no desenlace final.
Refira-se ainda a famosa cena, doravante lamentada como sendo imoral por Hitchcock, sobre o miúdo a brincar descontraidamente por Londres com a bomba programada para explodir a determinada hora. Nomeadamente no minuto seguinte em que o vemos a divertir-se com um gatinho vadio. A montagem é perfeita, a tensão levada ao paroxismo, ou seja uma sequência que não mais esqueceremos.
E, a concluir, apontemos para a constante declaração de amor à sétima arte, com a protagonista a reconfortar-se um instante com um filme de Walt Disney, a utilização subtil da sala de cinema passando-se para trás da tela para melhor espiar os terroristas e os encontros marcados para plateias repletas de espectadores, sem esquecer a nostalgia pelo tempo em que era obrigatória a ida da família ao cinema aos domingos à tarde.

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