quarta-feira, novembro 16, 2016

(EdH) Má sina ser mãe solteira na Irlanda do século passado

A Igreja Católica pode ser a mais tenebrosa das organizações, como o comprovam as atrocidades a que está associada na Irlanda.
Naquele que é um dos países europeus em que o peso da religião mais condiciona a vida dos seus cidadãos, multiplicaram-se as ocorrências durante o século XX, que justificariam o julgamento de muitos dos seus titulares ao mais alto nível por crimes contra a Humanidade.
Durante décadas existiram padres a abusarem sexualmente de centenas de crianças em casos devidamente comprovados e dos quais nenhum chegou à barra dos tribunais.
Igualmente durante esse período as raparigas solteiras, que engravidavam, eram internadas em autênticos conventos-prisões onde tinham os filhos, de quem eram imediatamente separadas, e ficavam condenadas a trabalharem como escravas enquanto se viam continuamente humilhadas pelas patroas, essas freiras sempre prontas para as confrontarem com a «malignidade do seu pecado».
Relativamente aos filhos dessas relações fora do casamento, viam-se internados em edifícios sinistros, também eles sob a égide do clero, e sujeitos a tão maus tratos, que a fome a as doenças lhes garantiam uma elevada mortalidade  nos primeiros anos de vida. Embora não seja por certo caso único, o caso das 795 crianças sepultados numa vala comum no canto de um campo de jogos da vila de Tuam, no noroeste do país, é dos mais denunciados apesar de não existir das autoridades políticas e judiciais a vontade de as exumar e lhes dar sepultura mais condigna do que o tenebroso buraco onde se acumulam. Esse Holocausto à escala irlandesa ainda espera por suscitar alguma justiça com a convocação dos seus responsáveis para o banco dos réus.
Mas a perversidade da Igreja irlandesa não se ficou por aí: relativamente às crianças, que sobreviviam à prova de fogo desses primeiros meses em tais orfanatos, logo os seus «caridosos» tutores os tratavam de vender a casais desejosos de as adotarem, fosse porque os movia a ânsia da paternidade, fosse porque o Estado pagava uma pensão mensal a quem se incumbisse da educação de tais «filhos do pecado», dando jeito receber esse dinheiro e ter mais um par de mãos para trabalhar em prol da nova família.
Perante um tão gigantesco volume de provas poderíamos sentir algum espanto pelo facto de ainda só terem provocado indignação nalgumas minorias mais laicas e esclarecidas. Mas se pensarmos que quase todo o ensino primário é facultado por escolas geridas pela Igreja e às quais o Estado assegura generosos subsídios, compreendemos o tipo de formatação imposto às mentes dos irlandeses desde a mais tenra idade para nem sequer sonharem em pôr em causa a probidade da instituição e dos seus prosélitos.
Podemos por isso considerar de profilática a decisão do nosso ministério da Educação em não ter aprovado novos contratos de parceria com escolas privadas, muitas delas dependentes das várias ordens religiosas existentes entre nós. Pela cabeça dos nossos bispos e cardeais passa decerto a ambição de recuperarem a importância conferida por Salazar a Cerejeira e ainda hoje semelhante à que sobrevive na Irlanda, esse país onde o divórcio só foi aprovado há vinte anos e o aborto ainda continua a ser liminarmente proibido.

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