quarta-feira, novembro 09, 2016

(DL) «O Cerco de Cartum» de Olivier Rolin (1)

Há dezoito anos, quando Olivier Rolin publicou «O Cerco de Cartum», o Sudão ainda não se encontrava dividido. Era o país mais vasto de África, indo do Trópico de Câncer ao Equador e, provavelmente, tendo em conta as guerras desde antão ali ocorridas, ainda só continuará a ter uma estrada vagamente alcatroada: a que liga Porto Sudão, nas margens do mar Vermelho, a Cartum, a capital onde se encontram os dois Nilos, o Azul e o Branco.
É, contudo, um vasto território com imensa História por investigar, ali se tendo sucedido reinos vagamente faraónicos, principados cristãos e sultanatos muçulmanos, até se ter chegado à presente ditadura islâmico-militar, resultante do conluio entre xeques e generais.
O narrador, que ali se veio refugiar na sequência de um desgosto amoroso, conseguiu vaga de professor na Alliance Française e encontra nele aquilo de que verdadeiramente se sente necessitado: “O que me agrada aqui, que outro país não me ofereceria, é que não se é apenas estrangeiro mas absolutamente privado da mais pequena proeminência, mesmo imaginária.” (pág. 10)
Instalado no decrépito Hotel dos Solitários temo-lo, pois, entregue ao que reconhece ser um “território filosófico”, capaz de lhe suscitar uma interrogação pertinente: será essa terra “o eixo milenar em torno do qual oscila o fiel da balança do Norte e do Sul, da Razão da crença, da escrita e da vegetação?” (pág. 22)
À ave de estimação, que tem no quarto, ele faz confidências das suas conclusões: “estamos cercados por tão grandes histórias, acreditamos por um instante, ver os tempos e os mundos ir e vir diante dos nossos olhos, e depois aquilo que nos anima, exalta, destrói, são coisas minúsculas, afinal.” (pág. 26)
Enquanto vai refletindo em voz alta e para o papel, o narrador evoca um dos momentos culminantes da presença colonial inglesa na região, quando o inglês Sir Henry Gordon, militar anteriormente experimentado no combate às manifestações anticoloniais na Índia, acabou por ser ali morto durante a revolta dos Ansares em janeiro de 1885, depois de um cerco para o qual não contou com a solicitada ajuda a tempo e horas.
“O governador geral fantasma foi portanto morto e a sua cabeça cortada, embrulhada num pano, deposta aos pés do Madi no campo de Amdurman.” (pág. 29)
Só mais de dez anos depois, em 2 de setembro de 1896, é que Sir Herbert Kirchener entrou nessa localidade, situada a margem ocidental do Nilo Branco.
Uma noite o narrador conhece o Doktor Vollander no hotel onde janta, sem imaginar a importância de quant ele influenciará o seu futuro próximo. Acabado de chegar de mais uma campanha de escavações em Meroe, confidencia ao interlocutor: “Muitos dos meus amigos de antigamente não queriam admitir que, no meio das ideias que partilhámos nos anos sessenta, algumas havia que não passavam de sangrentas e ultrapassadas miragens; sem isso, calculo eu, sentir-se-iam desapossados da própria juventude.” (pág. 39)
Na próxima abordagem a este romance, cuja leitura aqui será acompanhada por estes apontamentos, continuaremos a conhecer melhor a personalidade de Vollander.

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