domingo, novembro 13, 2016

(DL) «O Cerco de Cartum» de Olivier Rolin (3)

A literatura conhece inúmeros exemplos de romances sobre quem se sente desamado e busca alhures a catarse para o sofrimento colhido no espaço onde já não quer estar.
O narrador deste romance de Olivier Rolin buscara Cartum como forma de esquecer a namorada, cujo desamor lhe causara profunda mágoa: “Não esquecera Alfa, mas pensava ter renunciado à ideia de ressuscitar a lembrança dela: não me vinha ao espírito que o que procurava nos meus engrimanços, era ainda ela transformada em Basilissa sudanesa.” (pág. 116)
Razão para sair amiúde para fora da cidade, percorrendo vastas zonas desérticas em busca de si mesmo, mas sobretudo de tudo quanto perdera. Um dos motivos para sentir esta história como aliciante reside no implícito exotismo das paisagens africanas, onde se adivinham civilizações perdidas cuja extinta majestosidade evoca a efemeridade de tudo quanto momentaneamente tem importância.
“Aquela imensidão que dantes eu percorria sem objetivo, para enganar o tédio, como um turista que uma súbita amnésia tivesse impedido de regressar a casa, comecei a calcorreá-la para encontrar vestígios dos meus reinos de antanho.” (pág. 118)
A sua solidão ainda mais se acentua nas ausências de Vollander, que se habituara a ter como companheiro de copos e de conversas de circunstância.
“Quando Vollander voltou de Berlim, há cinco meses, eu não vivia no presente. (…) Estendido no meu quarto, de olhos no teto, como que agarrado à estranha máquina voadora das ventoinhas, navegava livremente no tempo.” (pág. 122)
A outra novidade trazida pelo arqueólogo é a de terem-lhe imposto uma substituta para a filha, falecida algum tempo antes num acidente de trabalho durante as escavações de Meroe, onde procurava as provas sobre a existência de um reino cristão até ao século XV, isolado do resto do mundo e que perdurara durante quase mil anos.
O paradoxo desse momento histórico é o de, quando os portugueses estavam no auge das viagens marítimas, supostamente para expandirem a «fé e o império» esses possíveis interlocutores tinham-se extinto.
Nessa Else Sutter, os financiadores dos trabalhos arqueológicos julgavam encontrar a sucessora para o velho historiador, cuja passagem à reforma se prefigurava para breve.
O narrador, que se demitira do lugar de professor na Alliance Française, junta-se aos trabalhos e conhece a recém-chegada: “naquela voz desencarnada que me perguntava em inglês se eu era o amigo que Vollander enviara ao encontro dela , julguei instantaneamente reconhecer alguma coisa da voz de Alfa, e o nosso destino, o meu e o de Else, ficou selado.” (pág. 132)
O leitor fica então a questionar-se se aquela súbita paixão poderá substituir a que até então o atormentara, mas depressa se desengana: “Fiquei imediatamente, brevemente apaixonado por uma voz escondida atrás da dela. (…) Quando se transformou a meus olhos num ser de carne e sangue, desdenhei-a” (pág. 134)
Nas semanas seguintes é o labor das escavações, que a todos motiva: Estávamos em meados de novembro. Durante os dois meses que se seguiram trabalhámos a um ritmo desvairado, sem respeitar nenhum dos lentos e minuciosos procedimentos que fazem da arqueologia o inferno dos impacientes.” (pág. 144)
O romance aproxima-se então do seu inesperado final. 


Sem comentários: