quarta-feira, julho 23, 2014

Para acabar de uma vez por todas com os espetáculos com mamíferos marinhos!

Contra mim falo: já foram várias as vezes em que assisti a espetáculos com golfinhos e leões marinhos e até fui insensato o suficiente para já aí ter levado a  minha neta, apesar de não ter então sequer completado um ano. Porque também eu fui condicionado pela ideia de que os animais vivem felizes e contentes no seu cativeiro, preferindo-o, pelas mordomias recebidas, aos rigores da vida selvagem. Só que «Blackfish», embora tendo as orcas como tema principal, vem pôr em causa essa ideia tão publicitada com quem lucra com tal perversão à ordem natural da vida desses animais.
Em fevereiro de 2010, uma treinadora do Seaworld da Flórida foi atacada pela orca Tilikum perante centenas de espectadores, que passaram da alegria ao terror em breves minutos. Porque a morte de Dawn Brancheau, ali perante o seu olhar impotente, será uma experiência terrível, jamais passível de ser esquecida.
Gabriela Cowperthwite partiu desse trágico episódio para iniciar uma investigação inédita sobre os parques marinhos onde, por trás dos sons dos mergulhos e dos sorrisos das crianças, decorre um espetáculo tão polémico para com os animais como para quem deles cuida.
Recorrendo aos testemunhos de antigos treinadores e do percurso de vida de Tilikum, a orca vedeta do parque da Flórida, a realizadora põs em contraponto os discursos mistificadores da Seaworld sobre o bem estar dos animais e uma realidade bem mais cruel: a separação das mães das suas crias e o confinamento a bacias exíguas para a sua dimensão.
O filme conduz a investigação em vários sentidos graças aos testemunhos de cientistas e desses antigos colaboradores da Seaworld, que vêm confessar o quão ingénuos tinham sido ao acreditarem na mistificação em que os tinham mergulhado os seus antigos empregadores.
Eles transformaram-se nos seus críticos mais ativos, contando como a agressividade imprevisível desses animais sempre foi escamoteada pelos donos da Seaworld  apesar das diversas mortes já contabilizadas nos EUA ou em Espanha, onde se vai igualmente apurar as circunstâncias da morte de um treinador de Tenerife.
É pois provável que o boneco em peluche Shamu, uma orca em miniatura, deixe de ser tão vendido nos parques Seaworld quanto o eram até aqui,  já que essas gramas ternurentas, objeto de enlevo de gerações de crianças encantadas com as proezas dos mamíferos marinhos, nada têm a ver com o retrato dado pelo documentário «Blackfish» sobre o lado sombrio dos espetáculos por eles protagonizados.
O filme foi estreado nos Estados Unidos no verão de 2013 e teve depois 21 milhões de espectadores do canal de televisão CNN a vê-lo num país que quase transformara a visita aos parques aquáticos num verdadeiro desporto nacional.
Ao relacionar as condições em que as orcas são capturadas com a morte da tratadora em 2010, o efeito produzido na opinião pública norte-americana foi imediato: só então milhões de pessoas ganharam a consciência sobre a mentira segundo a qual esses mamíferos viviam felizes e protegidos e os seus treinadores trabalhavam em segurança irrepreensível.
Olhando para os filmes publicitários, que apresentavam esses parques como locais de proteção da natureza e desses animais especificamente, só se pode sentir uma indignação mesclada de ironia.
Para a maior empresa de divertimento aquático - espécie de Disneylândia dos ambientes marinhos - a apresentação do filme teve um sério impacto financeiro com uma queda abrupta na quantidade de visitantes. O que ocorreu na pior altura, já que acabara de ser cotada em bolsa e abrira um novo parque de atrações, o «Antártica, reino dos pinguins».
Resultado: logo em agosto o bilhete para entrada nos parques baixou significativamente, embora o grupo preferisse atribuir à meteorologia a causa para o seu menor sucesso.
Mas, em 2014, a tendência mantém-se: em termos homólogos a queda das receitas no primeiro trimestre de 2014 foi de 11%.
O filme causou uma vaga de fundo nos Estados Unidos e na Europa levando as associações de defesa dos animais a exigir a proibição de delfinários como os que temos no Jardim Zoológico de Lisboa ou no Zoomarine do Algarve. No outro lado do Atlântico grupos musicais e compositores recusaram a participação em espetáculos do Seaworld ou a mera utilização das suas músicas.
Ganhou expressão a tese científica segundo a qual é um crime manter as orcas em cativeiro tendo uma esperança de vida muito mais curta do que em estado selvagem.
Face à polémica a Seaworld lançou uma campanha mediática a acusar de mentira o que se via no documentário. Mas o desgaste na sua imagem parece irreversível: há menos de um mês a revista «Consumerist» e o jornal «Daily Finance» classificaram a empresa como a terceira mais detestada pelos consumidores norte-americanos logo atrás da Monsanto e da Wallmart.
A realizadora Gabriela Cowperthwaith - que não era sequer militante ecologista, mas ficara impressionada com a história de Dawn Brancheau, treinadora experiente e reconhecida pelos seus pares - ainda não recuperou da surpresa quanto ao impacto do seu filme.
Estou muito orgulhosa, porque nunca pude imaginar o efeito que ele iria causar: a queda no número de visitantes do Seaworld e a denúncia de contratos de grandes investidores no valor de vários milhões de dólares. Sem esquecer os efeitos políticos com um deputado californiano a iniciar uma ação legislativa contra a empresa.”
De facto, em 20 de fevereiro, o democrata Richard Bloom apresentou um projeto de lei para ilegalizar o cativeiro de orcas para serem utilizadas em espetáculos ou outros tipos de divertimento. E logo trinta e oito membros do Congresso escrevem uma carta ao secretário da Agricultura para alterar a legislação sobre a captura dos mamíferos marinhos.
Os tempos não se apresentam bonançosos para quem lucra com este tipo de exploração dos mamíferos marinhos!



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