segunda-feira, julho 07, 2014

FILME: «Cinema Vérité» de Shari Springer Berman e Robert Pulcini (2011)

Em 2011 o canal norte-americano HBO estreou este filme do casal Shari Springer Berman e Robert Pulcini sobre a série «An American Family», que lançou o  modelo dos reality shows, quando apareceu em 1973 na PBS.  Até pelo elenco - Diane Lane. James Gandolfini, Tim Robbins, Lolita Davidovich - já se justificava a nossa atenção. Mas o tema em si, o da família, espaço de grandes contradições ameaçado de destruição ao expor-se ao exterior, confirma o interesse inicial.
Logo de início encontramos James Gandolfini num papel muito diferente do que nos habituámos a vê-lo na série «Os Sopranos». Ele é Craig Gilbert, produtor de documentários, que congemina a possibilidade de dar a conhecer aos espectadores da PBS como é a família americana tradicional, fazendo-a acompanhar das suas câmaras vinte e quatro horas por dia.
É a família Loud quem lhe irá servir de cobaia, havendo da parte da respetiva matriarca, Patty, a intenção de assim obrigar o marido a passar bastante mais tempo em casa, já que lhe adivinha um comportamento adúltero cada vez mais evidente.
Quando a equipa técnica se instala na casa da família em Santa Bárbara o filho mais velho, Lance, está a mudar-se para o Chelsea Hotel, em Nova Iorque, disposto a explorar os seus dotes artísticos e a deixar-se fascinar pelo ambiente da Factory.
Será Alan Raymond, um dos operadores de câmara, a sentir os problemas éticos, que se colocam nessa recolha de imagens, porquanto depressa se apercebe como aquela família está à beira de um precipício. Ora é essa projeção no vazio que Craig Gilbert deseja como forma de garantir as audiências com que se comprometera com quem lhe financiara o projeto. O drama é para ele uma condição essencial para que «An American Family» se torne num fenómeno mediático.
Mas a própria Patty vai começar a arrepender-se da sua anuência para tal exposição, que lhe precipita a recolha de provas das suas suspeitas a respeito do marido.
A contragosto Alan e os seus dois colegas recolhem as imagens pretendidas por Gilbert: as da expulsão de Bill de casa depois de já não conseguir desmentir as acusações de Patty.
A série torna-se, de facto, um enorme sucesso e leva os intervenientes a diversos shows televisivos em que se acusam uns aos outros quanto à legitimidade ou não dessa intromissão pública no recato familiar. Mas a tentativa dos Loud em contrariarem a armadilha a que se tinham dado com tanta ingenuidade não impede uma sucessão de dramas em que se verão envolvidos: novos casamentos e divórcios e a morte de lance por Sida em 2001.
«Cinema Vérité» mostra uma época em que o mundo dos “reality shows” ainda estava longe do grotesco e da falta de escrúpulos, que viria a caracterizá-lo posteriormente na época dos «Big Brothers» e subprodutos do género. Havia ainda tempo para o questionamento ético do que se filma e dos efeitos que se causam em quem são transformados em atores de acontecimentos que os ultrapassam.
Nesse sentido torna-se num documento datado, mesmo realizado ainda há tão pouco tempo. Porque parece irreversível a tendência para esse género de produtos se transformar num desfile de “freaks” de uma libidinosidade caricata.



Sem comentários: