No texto anterior, que coincidira com o início da leitura de “O Teatro de Sabbath”, constatávamos que ele prometia ser um relato cruel sobre a crise existencial do fantocheiro Michey Sabbath, um homem de sessenta e quatro anos, obcecado por sexo, judeu, baixo e entroncado, de barba branca, desprovido de atrativos e a quem a amante, Drenka Balich impusera o ultimato de não dormir com outras mulheres, que não ela.
Ela tornara-se-lhe imprescindível para dar cor ao seu quotidiano: “ Aos cinquenta e dois anos, ainda suficientemente estimulante para tornar arrojados até homens convencionais, queria mudar e tornar-se outra pessoa - mas saberia porquê?” (pág. 39).
Como contornar essa obrigação em dar-lhe satisfação nesse anseio?
“A vida era tão impensável para Sabbath sem a mulher promíscua do estalajadeiro bem sucedido como era para ela sem o implacável fantocheiro. Não ter ninguém com quem conspirar, ninguém no mundo com quem dar rédea solta à sua necessidade mais vital.” (pág. 31)
Por isso mesmo ele pensa em como sair-se airosamente do desafio, sem a perder nem alterar o seu comportamento lascivo: “O supremo desvio, pensou Sabbath, aprofundando o dilema à procura de uma solução, é o dos libertinos que se tornam fiéis. Por que não dizer a Drenka, ‘Sim querida, eu farei isso’?” (pág. 42)
Só no final desse capítulo é que Roth esclarece a ponderosa razão para o comportamento de Drenka: surgira-lhe um cancro que poderia matá-la no prazo de um ano. Mas até aí o escritor decide surpreender o leitor com o último parágrafo do primeiro capítulo numa demonstração eloquente da sua capacidade para o desviar das ideias feitas para que se pudesse ter sentido tentado com a leitura das páginas anteriores: “Misericordiosamente, morreu passados seis meses em consequência de uma embolia pulmonar, antes do cancro, que alastrava omnivoramente dos ovários para todo o organismo, ter tempo de torturar Drenka para além da tenaz capacidade da sua própria força implacável” (pág. 45)
Aí acontece uma inversão em quem tem ciúmes da relação mantida por ambos durante anos: se era Drenka quem exigira uma dedicação exclusiva dele, Sabbath passa a viver esses sentimentos à posteriori: “Incapaz de dormir, Sabbath, deitado ao lado de Roseanna [a sua mulher legítima] sentia-se abalado por um monstruoso e deturpador sentimento que nunca tinha conhecido em primeira mão. Agora tinha ciúmes dos próprios homens acerca dos quais, em vida de Drenka, nunca se cansara de ouvir falar.” (pág. 47) Os muitos homens que ela seduzira ao longo daqueles anos para dar satisfação à sua insaciável libidinosidade.
Ao começar a ser visitado pelo fantasma da mãe - ainda a amante estava viva - começa-se a intuir que, mais do que sobre a morte dos que o rodeiam, o romance irá abordar a do protagonista: “Ela não aparecia apenas quando estava desesperado, isso não acontecia apenas no meio da noite, quando acordava com uma necessidade avassaladora de um substituto para tudo o que ia desaparecendo: a mãe estava lá em cima, na mata, lá em cima na gruta, com ele e Drenka, pairando sobre os seus corpos seminus. (…) A sua defunta mãe estava com ele, observando-o, cercando-o por todo o lado. Fora solta, lançada sobre ele. Regressara para o conduzir à morte.” (pág. 29)
Sem comentários:
Enviar um comentário