quinta-feira, julho 24, 2014

A arte e a provocação em São Petersburgo

Só estive em Leninegrado uma vez: estava-se no auge da perestroika e as ruas da cidade ainda estavam cheias de buracos como se a 2ª Guerra Mundial não tivesse acabado há muito tempo e ainda permanecessem visíveis algumas das profundas cicatrizes então ali deixadas.
Nesse dia, enquanto os passageiros do paquete onde estava matriculado se distribuíam pelas várias excursões, com mais dois colegas metemos na cabeça ir visitar o Hermitage. Saídos do portaló lá fomos perguntando a este e àquele sobre a melhor direção a tomar até que, passadas quase duas horas a bom ritmo de marcha ao longo dos canais do rio Neva, conseguimos alcançar a sua porta de entrada.
Só que a saída para Helsínquia estava prevista para daí a três horas, pelo que o tempo para o regresso só daria para chegar a tempo de experimentar o bom funcionamento dos equipamentos de propulsão.
Tratou-se, assim, de ver exteriormente o palácio onde está o Museu e logo retomar o caminho para bordo.
Melhor sorte têm conhecido os artistas convidados para participar na 10ª Bienal de Arte  contemporânea Manifesta, a desenrolar-se ali aproveitando as comemorações do 250º aniversário do célebre museu.
Não é que a arte contemporânea seja particularmente bem recebida na Federação Russa, mas as vontades dos organizadores da Bienal, do comissário alemão Kasper König e do Diretor do Hermitage conjugaram-se para que, desde o fim de junho até outubro, muitos artistas e as suas obras sejam aí exibidas.
Muitos queixaram-se da excessiva burocracia ou dos entraves colocados para que pudessem expor as suas obras de acordo com o que haviam projetado. Sobretudo os que quiseram abordar criticamente a guerra na Ucrânia. Mas não só: a artista sul-africana Marlene Dumas decidiu polemizar a sério com as autoridades locais já que adotou os direitos dos homossexuais como seu tema de eleição. Algo a que as homofóbicas autoridades não acharam particular graça.
Elena Kovylina decidiu tratar o tema da Igualdade e para isso juntou dezenas de pessoas de alturas diferentes e, com bancos ajustados inversamente a essa dimensão, pondo-as todas ao mesmo nível.
O holandês Erik van Lieshout preferiu trabalhar nas caves do museu onde imperam os célebres gatos, que há séculos asseguram a inexistência de ratos nas galerias, e retratou-os em diversos suportes.
O japonês Tatzu Nishi transferiu uma casa tradicional russa para uma das principais salas do museu e pô-la em confronto visual com um luxuoso lustre.
O suíço Thomas Hirschhorn também abordou a arquitetura, mas por outro ângulo: impressionado com a imagem de uma casa nova-iorquina, que ficara sem a fachada durante o furacão Sandy, recriou-a noutra das grandes salas, abordando a urbe e a sua destruição.
Poderíamos prosseguir pela referência a muitos outros dos cinquenta artistas com obras criadas especificamente para o evento, ou de outros, de Matisse a Gerhard Richter, que aí também estão expostos, mas importa sobretudo ver este evento artístico, como a oportunidade para nos questionarmos se a arte pode ou não ser dissociada da política e das relações internacionais.
E, claro, bem gostaria de, nesta altura, fazer a tal visita que, há vinte e cinco anos não foi possível


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