domingo, julho 20, 2014

LEITURAS: «Teatro de Sabbath» de Philip Roth (I)

“Ou deixas de foder outras ou está tudo acabado.
Foi este o ultimato, o exasperante, inacreditável e absolutamente imprevisto ultimato que a amante de cinquenta e dois anos  fez lavada em lágrimas ao seu amante de sessenta e quatro, no aniversário de uma ligação que persistira com espantosa licenciosidade - e que não menos espantosamente se mantivera secreta - durante treze anos” (pág. 15)
Mickey Sabbath, o alvo desse desafio, fora titereiro - ou «fantocheiro» como escolheu a tradutora - e dirigira uma companhia teatral da off Broadway  nos anos 60, antes do desaparecimento da sua mulher de então, a frágil Nikki.
Ela é Drenka, que fugira da Jugoslávia de Tito, quando casara com Matija e tinham vindo passar a lua-de-mel a Trieste. A vinda para a América, onde se tinham estabelecido com um restaurante de sucesso, correspondera ao conceito de «aventura», que ela tanto prezava.
“Drenka envergonhou os pais ao fugir para este país imperialista, despedaçou-lhes os corações e eles morreram, ambos de cancro, não muito depois da sua deserção. No entanto, ela amava tanto o dinheiro e amava tanto o ’divertimento’ que provavelmente devia agradecer aos seus ternos cuidados desses comunistas convictos o que quer que impedira o seu corpo pujante e juvenil, com o seu rosto atormentadamente brejeiro, de fazer consigo mesmo alguma coisa ainda mais extravagante do que tornar-se escrava do capitalismo” (pág. 19)
Logo nas primeiras páginas deste romance, que seria galardoado em 1995 com o National Book Award, encontramos muitas das características que tornaram Philip Roth num dos principais escritores norte-americanos da sua geração.
Existe uma pulsão sexual intensa nos personagens, obrigados a viverem-na clandestinamente para não se sujeitarem à censura de mentalidades demasiado espartilhadas pelo puritanismo dominante. E um balanço de tudo quanto se viveu, recorrendo-se por isso mesmo a frequentes recuos nas memórias.
Mickey Sabbath sempre tivera uma obsessão pelo sexo, indo para a cama com outras mulheres independentemente de ter ou não parceira fixa, porque considerava-se partidário da poligamia e das maiores e mais variadas fantasias sexuais.
Drenka será, nesse aspeto, a amante perfeita, partidária do relacionamento sexual com qualquer homem que lhe interesse minimamente, complemento necessário ao seu casamento feliz com um homem virado para o trabalho e de poucos prazeres. Por lhe conhecer essa mesma libidinosidade equiparável à sua é que Sabbath fica surpreendido pelo que ela agora lhe vinha exigir.
É que a aura sensual de Drenka estendera-se a quase todos os homens da região sem esquecer alguns, vindos propositadamente de Nova Iorque para a ver:  “Os homens começaram a compreender que aquela mulher baixota de meia-idade, apesar de não ser uma beleza estonteante e de espartilhada por toda a sua cortesia sorridente, era movida por uma carnalidade muito semelhante à deles próprios. (pág. 21)
Nada enciumado com o facto de a ver partilhar a cama com inúmeros amantes, Sabbath andava convencido que a ligação entre ambos beneficiava os terceiros envolvidos: “Drenka encontrara maneira de ser a amiga mais querida do seu marido. O ex-mestre fantocheiro do Teatro Indecente de Manhattan tornara-lhe mais do que meramente suportável a rotina conjugal que antes quase a matara - agora apreciava essa terrível rotina porque contrabalançava a sua temeridade. Em vez de ferver de asco contra o seu pouco imaginativo marido, nunca lhe agradara tanto a impassibilidade de Matija”. (pág. 24)
Neste arranque do romance Sabbath ainda está longe de imaginar que os seus dias felizes estão prestes a conhecer um fim abrupto...


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