domingo, julho 20, 2014

FILME: «Ida» de Pawel Pawlikowski (2013)

Em 1962 Anna está convencida de que terá vocação para freira pelo que avança para esse pedido no convento onde fora acolhida na infância, quando os pais tinham morrido.
Prudente, a madre superiora instiga-a a procurar a tia, Wanda Lebenstein, que fora a única sobrevivente da sua família. É assim que Anna ficará a saber o seu verdadeiro nome, Ida, e a causa da sua orfandade: o extermínio dos judeus pelos nazis.
Ambas as mulheres irão regressar à aldeia natal para melhor compreenderem quem são em função desse trágico passado.
Esta é a síntese de um filme, que retoma um tema já muito explorado, mas onde se comprova a possibilidade de seguir por outras vias não menos estimulantes.
No início Anna fica boquiaberta, quando a tia lhe anuncia: “Resumindo, és uma freira judia!”. Esse encontro fora suscitado pela madre superiora do convento, que quisera confronta-la com a sua verdadeira identidade antes de avançar para a pronúncia dos seus votos de religiosa.
Até aí Anna fora tão pura quanto pudera ser uma protagonista dos filmes de Robert Bresson. Ao sorrir formavam-se-lhe três pequenas rugas ao canto da boca. Mais tarde um músico de jazz, que irá encontrar no seu périplo dir-lhe-á: “Não imaginas o efeito que causas!”
Mas está fatalmente condenada a perder essa inocência. Porque Wanda revela-lhe o nome por que fora identificada desde que nascera - Ida - e como ficara órfã de judeus desaparecidos durante a guerra, depois de denunciados pelos vizinhos.
“Onde é que estão sepultados?”, questiona. Mas ninguém lhe saberá dizer. Os pais simplesmente desapareceram.
Estamos, pois, numa espécie de policial com um investigador experiente e um ajudante ingénuo. Wanda sabe do que fala: fora procuradora da República e comunista convicta. Alcunhada de «Wanda Vermelha» ela condenava os «traidores» ao regime, quando possuía uma crença idealista na ideologia e ainda não abraçara o seu presente ceticismo.
Temos, pois, uma delas disposta a descobrir quem é e a outra a querer esquecer quem foi. Ida e Wanda percorrem a Polónia gelada e cinzenta desses anos sessenta, quando os jovens eram os dos filmes de Milos Forman, aborrecendo-se com temas ié-iés em hotéis tristes. Só os velhos se pareciam divertir como para melhor se anestesiarem das suas frustrações.
Quando se conclui essa viagem, resta uma conclusão dececionante: predomina uma amnésia coletiva e voluntária sobre os crimes do passado. O horror é negado, mas nunca expiado: os medíocres terão incorrido em atos vis para se apossarem de uma casa, de uma quinta...
Perante essa conclusão ficam as questões: como se poderá continuar a viver depois de tudo isso? Como crer em Deus? Pior ainda: como acreditar no homem?
É um filme com muitas imagens de espaços vazios. A luz parece esmagar os personagens, que quase surgem desenquadrados a um canto da imagem como se estivessem isolados, atemorizados. Os planos fixos, a preto e branco, perturbam e intrigam. Quase sem transição, o filme passa do segredo para a verdade, da sombra para a claridade, de canções pueris para a música de John Coltrane, que sugere a beleza e a melancolia.
Pawel Pawlikowski é um cineasta do absoluto: os personagens ou rendem-se ou morrem. Ida tenta resistir: tira o véu, liberta os cabelos, veste a roupa e calça os sapatos da tia e parte com o saxofonista, que lhe propõe mostrar o mundo. Ela sorri: “E depois?”
“Depois, compraremos um cão e uma casa! E teremos filhos!”
“Sim, mas e depois?”
“Depois, teremos problemas como toda a gente!”
Ida segue por uma estrada. Viu a mediocridade e continua a acreditar num possível Além. Ao som de um Prelúdio de Bach!
(em exibição no Corte Inglês em Lisboa e no Arrábida no Porto)

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