Em 1962 Anna está convencida de que terá vocação para freira pelo que avança para esse pedido no convento onde fora acolhida na infância, quando os pais tinham morrido.
Prudente, a madre superiora instiga-a a procurar a tia, Wanda Lebenstein, que fora a única sobrevivente da sua família. É assim que Anna ficará a saber o seu verdadeiro nome, Ida, e a causa da sua orfandade: o extermínio dos judeus pelos nazis.
Ambas as mulheres irão regressar à aldeia natal para melhor compreenderem quem são em função desse trágico passado.
Esta é a síntese de um filme, que retoma um tema já muito explorado, mas onde se comprova a possibilidade de seguir por outras vias não menos estimulantes.
No início Anna fica boquiaberta, quando a tia lhe anuncia: “Resumindo, és uma freira judia!”. Esse encontro fora suscitado pela madre superiora do convento, que quisera confronta-la com a sua verdadeira identidade antes de avançar para a pronúncia dos seus votos de religiosa.
Até aí Anna fora tão pura quanto pudera ser uma protagonista dos filmes de Robert Bresson. Ao sorrir formavam-se-lhe três pequenas rugas ao canto da boca. Mais tarde um músico de jazz, que irá encontrar no seu périplo dir-lhe-á: “Não imaginas o efeito que causas!”
Mas está fatalmente condenada a perder essa inocência. Porque Wanda revela-lhe o nome por que fora identificada desde que nascera - Ida - e como ficara órfã de judeus desaparecidos durante a guerra, depois de denunciados pelos vizinhos.
“Onde é que estão sepultados?”, questiona. Mas ninguém lhe saberá dizer. Os pais simplesmente desapareceram.
Estamos, pois, numa espécie de policial com um investigador experiente e um ajudante ingénuo. Wanda sabe do que fala: fora procuradora da República e comunista convicta. Alcunhada de «Wanda Vermelha» ela condenava os «traidores» ao regime, quando possuía uma crença idealista na ideologia e ainda não abraçara o seu presente ceticismo.
Temos, pois, uma delas disposta a descobrir quem é e a outra a querer esquecer quem foi. Ida e Wanda percorrem a Polónia gelada e cinzenta desses anos sessenta, quando os jovens eram os dos filmes de Milos Forman, aborrecendo-se com temas ié-iés em hotéis tristes. Só os velhos se pareciam divertir como para melhor se anestesiarem das suas frustrações.
Quando se conclui essa viagem, resta uma conclusão dececionante: predomina uma amnésia coletiva e voluntária sobre os crimes do passado. O horror é negado, mas nunca expiado: os medíocres terão incorrido em atos vis para se apossarem de uma casa, de uma quinta...
Perante essa conclusão ficam as questões: como se poderá continuar a viver depois de tudo isso? Como crer em Deus? Pior ainda: como acreditar no homem?
É um filme com muitas imagens de espaços vazios. A luz parece esmagar os personagens, que quase surgem desenquadrados a um canto da imagem como se estivessem isolados, atemorizados. Os planos fixos, a preto e branco, perturbam e intrigam. Quase sem transição, o filme passa do segredo para a verdade, da sombra para a claridade, de canções pueris para a música de John Coltrane, que sugere a beleza e a melancolia.
Pawel Pawlikowski é um cineasta do absoluto: os personagens ou rendem-se ou morrem. Ida tenta resistir: tira o véu, liberta os cabelos, veste a roupa e calça os sapatos da tia e parte com o saxofonista, que lhe propõe mostrar o mundo. Ela sorri: “E depois?”
“Depois, compraremos um cão e uma casa! E teremos filhos!”
“Sim, mas e depois?”
“Depois, teremos problemas como toda a gente!”
Ida segue por uma estrada. Viu a mediocridade e continua a acreditar num possível Além. Ao som de um Prelúdio de Bach!
(em exibição no Corte Inglês em Lisboa e no Arrábida no Porto)
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