Nos dois textos anteriores sobre este romance de Philip Roth tínhamos conhecido o protagonista, Mickey Sabbath, um sexagenário casado com uma mulher que abomina e se sente perdido num mundo sem a amante Drenka.
Encontra, então, um paliativo para o vazio, que a ausência dela lhe deixou: ir à noite ao cemitério para ficar algum tempo junto à sua sepultura.
“Ao princípio não sabia que se tornaria uma visita regular. Isso devia-se ao facto de não ter imaginado que, olhando para a sepultura, veria Drenka, a veria dentro do caixão a levantar o vestido até à latitude estimulante em que o cós das suas meias se juntava aos suspensórios do seu cinto de ligas” (pág. 79)
Arriscando-se a causar arrepios nas mais intrépidas feministas, que podem ler alguns trechos da obra como o reflexo de uma misoginia indisfarçável, Roth não teme ver-se criticado de mau gosto, quando confere às visitas de Sabbath ao cemitério propósitos pouco canónicos: “Sabbath aprendera a colocar-se de costas para norte, para evitar que o vento gelado lhe soprasse diretamente para o pénis, mas apesar disso tinha de descalçar uma das luvas para se masturbar como devia ser e, às vezes, a mão ficava tão fria que tinha de calçar de novo essa luva e usar a outra mão. Vinha-se na sepultura dela muitas noites.” (pág. 64)
Ele tem, de facto, uma obsessão pela satisfação sexual, que nada parece mitigar. Mais do que o dinheiro, o poder, a política, a moda ou o que quer que seja mais, Sabbath interessa-se pelo sexo puro e duro: “O cerne da sedução é a persistência. Persistência, o ideal jesuíta. Oitenta por cento das mulheres cedem sob tremenda pressão, se a pressão for persistente. Um tipo tem de se consagrar a foder do mesmo modo que um monge se consagra a deus.” (pág. 74).
A relação conjugal de Sabbath com Roseanna era de ódio mútuo, apesar de já viverem há tantos anos juntos. E da dependência financeira dele em relação a ela, sobretudo desde que as artrites nas mãos lhe inviabilizaram a continuidade do trabalho de fantocheiro.
Enquanto ela se ausenta para lecionar as suas aulas ou comparecer às reuniões dos Alcóolicos Anónimos, ele vai-se deixando assombrar pela ideia da morte: “era tudo quanto lá fazia agora, ler livro após livro sobre a morte, sepulturas, inumação, cremação, funerais, arquitetura funerária, inscrições fúnebres, livros sobre atitudes para com a morte ao longo dos séculos e livros de métodos práticos, remontando a Marco Aurélio, acerca da arte de morrer.” (pág. 103)
Os fantasmas da sua vida vão agora persegui-lo, reabrindo velhas feridas de uma vida onde sofreu muitos abalos, começando com a destruição do seu núcleo familiar quando era ainda muito novo, passando pelo desaparecimento da sua (controversa) primeira mulher, aos problemas e escândalos com a sua segunda (e atual) mulher, acompanhados de vários julgamentos sociais do seu comportamento ortodoxo relativamente ao sexo e às mulheres.
Quando pressentiu o perigo de ser surpreendido no cemitério pelo filho de Drenka, que é polícia, Sabbath decide regressar a Nova Iorque cortando todas as amarras com o sítio onde vivera as décadas mais recentes: “ E foi assim que se passou. Cinco meses depois da morte de Drenka, não foi preciso mais nada para ele desaparecer, deixar Roseanna, encontrar finalmente forças para deixar o lar de ambos, na medida em que assim se lhe podia chamar, meter-se no carro e partir para Nova Iorque para ver qual era o aspeto de Linc Gelman” (pág.110)
O estímulo para mudar definitivamente de ares tivera a ver precisamente com o aviso do funeral desse antigo amigo, que se acabara de suicidar.
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