Há dias, num dos programas do Canal Q, o cronista Pedro Marques Lopes lamentava a escassa importância dada ao género em Portugal comparativamente com o verificado no Brasil. E dava exemplos como o de Rubem Braga para explicitar o retrato fiel dos tempos e lugares a partir dessas histórias curtas, com gente concreta em situações mais ou menos banais.
Esquecia-se, voluntariamente ou não, de um outro mais da minha predileção - Luís Fernando Veríssimo - em que esse testemunho de uma realidade surge normalmente embrulhado numa capa de humor.
Em «Mazagran» José Rentes de Carvalho também sugere uma das características fundamentais, que se exige a um cronista: larga experiência de vida.
Mesmo que a idade já o tenha empurrado para um quotidiano quase estático em comparação com o bulício irrequieto do passado, o cronista possui um manancial de vivências justificativas de muitos dos seus textos: por exemplo as relativas às memórias da Guerra Civil Espanhola, que dava ensejo aos polícias da sua aldeia (incluindo o próprio pai) a massacrarem quantos republicanos lhes caíam na alçada. Ou os primeiros amores de quando andava na escola primária e focados, primeiro numa vizinha inglesa particularmente meiga, e depois rapidamente transferidos para uma «deusa» loura vinda da África do Sul com o marido cada vez mais inconsciente do imerecimento dessa relação conjugal.
A esta distância ele já é capaz de relativizar o juízo sobre quem considerara apressadamente vil ou admirável, bom ou mau, vencedor ou vencido. E sente a nostalgia de um tempo sem telemóveis, nem outros gadgets da moda, em que as festas da aldeia eram genuínas e não procuravam imitar o que se podia ver na televisão.
Até como afirmação da saudade desse passado ele manda às malvas as regras de apreciação de um bom vinho e deleita-se a beber um copo de vinho de um só golo como era então costume.
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