Sylvain Tesson sempre procurou ultrapassar o óbice de ser conhecido enquanto filho de um dos principais jornalistas franceses. Por isso dispôs-se a percorrer o mundo e a dele trazer as impressões sob a forma de livros, que alimentam o interesse dos que tanto apreciam a literatura de viagens.
Geógrafo de formação, caminheiro por paixão e alpinista quase irracional, tem percorrido os sítios mais inóspitos do planeta, descrevendo-os sob a forma de diários de bordo e de contos.
No seu primeiro sucesso literário, «L’Axe du Loup», relatava a sua viagem entre a Sibéria e a Índia na peugada de uns quantos foragidos de um goulag.
Em 2010 isolou-se nas margens do Lago Baikal e trouxe na bagagem «Dans les Forêts de Sibérie».
O seu livro mais recente, «S’Abandonner à Vivre», confirma a determinação em prosseguir viagem pela Rússia e encontrar-se com quem aí se vai cruzando. Trata-se de um conjunto de contos sobre personagens resignados e indiferentes à crueldade da vida para que se sentem arrastados, quase alcançando uma certa serenidade na aceitação da existência tal qual ela se lhes apresenta.
Tesson rejeita que a sua mensagem seja a de adotar esse estado de alma a um universo social no seu todo - o que seria profundamente reacionário! - mas coloca-o no plano individual como forma de resposta a contrariedades que excedem a capacidade do sujeito em ultrapassá-las.
Quando parte a pé, montado num burro ou numa bicicleta para percorrer o mundo e buscar vivências em lugares improváveis, ele tenta encontrar motivos de encantamento, de ponderação filosófica ou de mero absurdo. A aventura alterna com o humor, as reflexões com as interrogações.
Mas «S’ Abandonner à Vivre» diverge dos seus livros anteriores, porque em vez de fazer do mundo o seu personagem, dá maior atenção à forma como os outros vivem.
Os personagens são marinheiros, amantes, guerreiros, artistas, loucos ou viajantes (ou um pouco de tudo isso). De Riga a Zermatt passando pelo Afeganistão, o Iacutia ou o Sahara, as suas vidas estão ameaçadas: e, no entanto, têm de encontrar forma de sobreviver. Nem que seja através da recusa de um confronto direto com a existência!
Esses personagens são como que filhos improváveis de Beckett ou de Dostoievski, dotados de uma espécie de energia, que se equilibra entre o absurdo da sua condição e a tentação da dsmesura.
Anteriormente Sylvain Tesson vivera aventura bem diferente e mais ambiciosa: durante seis meses, entre fevereiro e julho de 2010, exilara-se num lugar isolado nas margens do lago Baikal para testemunhar a imobilidade e o silêncio. A 120 quilómetros da aldeia mais próxima só tivera como companheiros os livros e dois cães. Pudera assim dedicar-se à observação da natureza no seu estado mais puro e da beleza dos reflexos de luz nos gelos. Aprendera dessa forma as virtudes da meditação e a humildade da espera, o deslumbramento com as ninharias quotidianas.
Essa viagem interior convenceu-o da vacuidade de uma contemporaneidade barulhenta e agitada. Nesse austero eremitério confessou ter alcançado uma plenitude de que nunca suspeitara. “Dois cães, uma lareira, uma janela aberta para o lago bastam para me sentir vivo” e acrescentava: “E se a verdadeira liberdade consistisse em possuir o tempo? E se a chave da felicidade fosse a de dispor de solidão, espaço e silêncio?”
Essa viagem interior convenceu-o da vacuidade de uma contemporaneidade barulhenta e agitada. Nesse austero eremitério confessou ter alcançado uma plenitude de que nunca suspeitara. “Dois cães, uma lareira, uma janela aberta para o lago bastam para me sentir vivo” e acrescentava: “E se a verdadeira liberdade consistisse em possuir o tempo? E se a chave da felicidade fosse a de dispor de solidão, espaço e silêncio?”
Em «S’ Abandonner à Vivre» partiu dos outros para evocar os riscos deste mundo, os desesperos do abismo ou as desilusões da condição humana.
Depois de «Dans les Forêts de Sibérie», o diário desse tempo de solidão, partiu para a vida dos que vivem impossibilitados da plenitude que conhecera.
Enquanto eremita, denotava a vibração do tempo tão parado quanto o reflexo de um cedro no gelo. Com «S’Abandonner à Vivre» a existência é obrigada a submeter-se ao que é mesquinho. Como se a conquista absoluta do mundo não pudesse senão ser um eterno retorno a si mesmo enquanto o mergulho no mundo dos outros acaba por se traduzir numa forma de prisão...
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