De todos os filmes em que surgiu o nome de John Huston no genérico, seja como ator, argumentista ou realizador, «A Rainha Africana» é o meu preferido.
Baseado num romance de C.S. Forester e realizado em 1951, seria o 11º filme da sua autoria quando já era reconhecido como um dos mais talentosos cineastas de Hollywood - graças, sobretudo, ao »Tesouro da Sierra Madre» apresentado três anos antes.
No entanto, o projeto inicial alterou-se logo que a equipa de filmagens chegou ao Congo. John Huston ficou impressionado com uma imagem, tal qual a contou numa entrevista à revista «Positif» em 1952: “da primeira vez que pus a Katherine Hepburn ao lado do Humphrey Bogart no pequeno barco, eles pareciam tão incrivelmente opostos um ao outro no meio daquela África selvagem, que todos nos rimos com vontade. Compreendi então que o filme deveria ser uma comédia, razão porque comecei desde logo a alterar o argumento e os diálogos.” Por isso mesmo, embora não abdicasse da rodagem em África, o continente nunca ganharia a dimensão de personagem ativo no filme, razão porque as arrelias dos protagonistas com os mosquitos ou com as lesmas, revelam-se maiores do que com os macacos ou os crocodilos.
A aventura dessas filmagens converter-se-ia num tal mito que, em 1980, Clint Eastwood tratá-la-ia no seu «Caçador Branco, Coração Negro».
Embora reorientando o projeto em termos de comédia, Huston estava disposto a transformá-lo num elogio ao amor com a ajuda da banda sonora, que ajudasse a caracterizar a evolução da história para o pretendido desenlace. E o palco da ação restringe-se quase sempre ao «African Queen», o barco com que Charlie Allnutt percorre as várias aldeias do rio para entregar o correio ou fazer negócio.
É numa dessas aldeias, que trava conhecimento com dois missionários ingleses: Samuel Sawyer e a sua irmã Rose. São eles os primeiros a suscitar um sorriso irónico no espectador quando, logo na primeira cena, os vemos a ensinar cânticos religiosos aos negros que, com rostos inexpressivos, os traduzem nas suas melopeias africanas.
Mas a sensação de estranheza entre os personagens também se repete, quando Samuel convida Charlie para um chá e surge a contradição entre os gestos sofisticados dos ingleses e os ruídos de deglutição sonoros do canadiano. Mas fica aí bem definida a época e as circunstâncias em que a ação irá decorrer: estamos no início da Primeira Guerra Mundial e os alemães já andam pelas redondezas, razão para que o «African Queen» fique prometido a águas menos turbulentas nas semanas seguintes.
Mas Charlie não tarda a regressar, quando fica a saber da destruição e incêndio da aldeia e a morte de quase todos os seus habitantes, incluindo Samuel, que não resiste a uma insolação.
Rose vê-se obrigada a acompanhar Charlie e a crispação entre ambos é quase visceral: ela, enquanto velha solteirona particularmente afeiçoada ao Império Britânico, não suporta aquele parceiro de viagem rude e exagerado apreciador de gin. Mas, quando descobre explosivos na carga do barco, entusiasma-se: porque não procurarem a canhoneira alemã «Louise», que patrulha todo o lago, e é um objetivo militar à medida dos seus anseios de vingança?
A contragosto Charlie embarca naquele plano e quase vê tudo perdido. Mas a chuva providencial e a corrente que ela provoca consegue criar o caldo favorável de circunstâncias para que sejam bem sucedidos. Nessa altura já os perigos, as dificuldades e as zangas tinham dissipado as divergências entre Rose e Charles (que até passou a cuidar da sua higiene!).
O final feliz mostra ambos a contas com a surpresa da descoberta do Amor já dobrado o cabo dos quarenta anos!
Sem comentários:
Enviar um comentário