Quando pensamos em Joseph Conrad somos levados a pensar nos personagens interpretados por Marlon Brando e por Martin Sheen em «Apocaplipse Now», verdadeiros paradigmas de um tipo de demência muito presente em todos os seus romances e novelas e característicos de quem entra em conflito com a realidade.
Os vários contos de «Histórias Inquietas», que Conrad publicou em 1898, confirmam essa ilação apesar de todos os seus personagens pouco terem em comum na classe, na nacionalidade ou na idade a que se associam.
«Karain: uma recordação» foi a terceira história escrita pelo autor e evoca os seus tempos de navegação em navios de carga pelos mares do Extremo Oriente.
Karain é um chefe malaio, que se torna amigo do narrador e lhe dá sobejas provas de consideração nos negócios entre ambos transaccionados, normalmente armas para as disputas com os pequenos estados vizinhos. No entanto o que mais o define é o medo permanente pelo fantasma de um amigo a quem jurara ajudar na vingança contra a irmã e o holandês com quem ela partira para desonra da sua família muçulmana.
Quando o objectivo da longa errância pelas várias ilhas malaias parecia à beira de se realizar Karain matara o amigo, sugestionado pela beleza da rapariga.
Razão para um remorso irremediável…
«Os Idiotas» foi a primeira história escrita por Conrad e é passada em França no período da restauração monárquica. Nela um camponês republicano e ateu sofre a desdita de ter quatro filhos idiotas vituperando a mulher por tão ruim semente.
Mesmo quando está disposto a vender a alma ao diabo, ou seja inclinar-se perante os detestados padres e o poder local do marquês de Chavannes, o resultado não é diferente.
Num paroxismo de acusações a Deus e à mulher ele acaba por ser o responsável do suicídio dela nas falésias ali tão à mão de semear.
«Um Posto Avançado do Progresso» é a segunda história escrita por Conrad e tem muitas semelhanças com o «Coração das Trevas», porque é passado em África, muito a montante da foz do rio Congo e onde os dois europeus aí deixados pela companhia colonial vão morrer sem cumprirem os sonhos de enriquecerem. Apesar de se tornarem coniventes no tráfico de escravos ou no comércio das presas de marfim…
«O Regresso» foi escrito ao mesmo tempo, que «Karain» e é um longo exercício introspectivo, mesclado de um jogo de massacre conjugal entre um burguês o mais convencional possível, confrontado com a vontade de libertação da mulher com quem se casara cinco anos atrás. Mesmo não tendo ela cometido nada de «irreparável» - ou seja ter relações sexuais efectivas com o amante - ele vê desabar todo o sólido edifício de certezas em que balizara os seus dias. E nessa deriva para a loucura acaba por sair de casa rumo ao desconhecido…
Que «O Regresso» tenha sido escrito nos primeiros tempos de casado, diz bem da assombração vivida pelo próprio Conrad relativamente ao seu próprio casamento…
«A Laguna» também é tida por Conrad como a primeira história por si escrita e tem algumas semelhanças com «Karain»: o narrador volta a ser o capitão de um navio dedicado ao comércio pelas costas malaias e com uma amizade antiga por Arsat. Quando o reencontra numa laguna aonde ele vive com a mulher, que conseguira subtrair à corte de um rajá, ela está moribunda possuída de febres incuráveis.
Ao enviuvar, Arsat fica liberto para ir vingar o irmão, que pagara com a vida a ajuda dada durante o rapto da noiva.
Temos, pois, o amor como um forte argumento para o indivíduo se superar, adoptando um heroísmo suicida que, de outro modo, teria dúvidas em assumir...
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