Em «Midnight in Paris» Woody Allen põe o protagonista Owen Wilson à procura da Paris mítica dos anos 20, época por ele mistificada por ser aquela em que teria podido conviver com Picasso, Gertrude Stein, Hemingway ou Scott Fitzgerald.
Pode-se dizer que, quando Max Raabe foi estudar para Berlim, também levava consigo todo um conjunto de mitos nele inoculados por uma avó encantadora, que aí vivera a euforia da boémia do mesmo período.
Max até se julgava vocacionado para ser cantor de ópera, mas os apertos da subsistência de jovem estudante sem grandes recursos levou-o a associar-se a alguns colegas da Universidade para criar uma banda - a Palast Orchestra - cujo reportório seria constituído pelas canções da época dourada do cabaré berlinense.
O sucesso foi tal que, logo no início da carreira, a Palast Orchestra estava contratada para animar os espectadores de um Festival de Música em Berlim no hall da sala em causa e esta esvaziou-se porque a preferência do público incidiu no que com ela se passava.
E assim se perdeu um cantor de ópera e se ganhou uma orquestra de entretenimento inteligente, apostada em recursos cénicos rigorosamente aplicados embora resultem num espectáculo ligeiro e extremamente divertido.
O que fascina num espectáculo como o desta noite é a possibilidade de nós próprios vestirmos a pele daquele personagem de Woody Allen e, durante um par de horas, vivermos a idealização de uma Berlim dos anos 20 e 30, antes que a chegada dos nazis ao poder cerceasse a revolução então aí operada a nível das artes e das ideias políticas. Como o próprio Max Raabe se encarrega de recordar muito do reportório por ele investigado e, depois implementado nos espectáculos, resulta da criatividade de tantos compositores judeus reprimidos ou obrigados a exilarem-se quando Hitler os votou à inexistência.
Nunca será demais conjecturar as razões, que levaram a cidade mais cosmopolita e ideologicamente fervilhante dessa época a permitir o avanço das forças mais opostas ao seu espírito. O que dá para concluir que a banalidade do mal está aí mesmo ao virar da esquina. E que nunca serão demasiados os esforços para a impedir de se expressar. Mesmo que, como no caso deste espectáculo, nos votemos momentaneamente à fruição de tão bons momentos.
Num ano não muito entusiasmante a nível de espectáculos, este terá sido o que elejo como o melhor dos que vimos em 2011.
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