Para nós, portugueses, o nome de Siegfried Muller pouco ou nada significará, mas para qualquer alemão, quer da antiga RDA, quer da República Federal, ele protagonizou um dos incidentes mais perturbadores da época da Guerra Fria. Porque ao dar uma entrevista à televisão leste-alemã em 1965, ele forneceu argumentos a quem associava o colonialismo e o imperialismo à utilização de antigos assassinos nazis reciclados em mercenários em África.
Muller acabara de estar a soldo do sinistro Tchombé, político africano do Katanga, tido por grande amigo do regime salazarista e responsável pelo assassinato de Lumumba, o primeiro presidente congolês após a independência. Contratado em Joanesburgo, ele comandava o Destacamento 52, conhecido pelas torturas aos prisioneiros, à queima de palhotas, aos assassinatos sem reservas e até aos actos de canibalismo.
Os jornalistas Walter Heynowski e Scheumann Gerhard entrevistaram-no, quando ele estava de férias em Munique e, graças à bebida, servida em abundância, conseguiriam um testemunho eloquente na desumanização de um criminoso sorridente.
Envergando camuflado e botas de combate Muller não usa eufemismos para justificar as suas acções como de defesa dos interesses do Ocidente numa África ameaçada pelos comunistas e elogiar o exército nazi a que, orgulhosamente, pertencera.
O constrangimento das autoridades alemãs ocidentais e norte-americanas tinha a ver com o facto de, pela voz de um «monstro» ficar desmascarada a sua cumplicidade com criminosos nazis que, enfeudados à mesma ideologia, defendiam os seus interesses estratégicos em África.
Muller acabaria por morrer sob a asa protectora do apartheid sul-africano, ainda Mandela estava aprisionado em Robben Island.
Agora, que já tanto mudou na história mundial, o documentário de Ressel serve para recordar o passado tenebroso das supostas democracias ocidentais e das suas opções comprometedoras sempre que se trata de salvaguardar os seus interesses económicos.
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